Autor

Carin Abdulá

Carin Abdulá é directora da OUTER, agência dedicada à música electrónica de vanguarda. Trabalha com artistas como Caterina Barbieri, rRoxymore, dBridge e Moritz von Oswald. Além disso, colabora com a Tresor Records como curadora e estrategista e, recentemente, foi nomeada directora de projeto da iniciativa [pause], criada pela Black Artist Database para promover espaços de trabalho mais equitativos para os profissionais negros na indústria musical.

A comunidade acontece na pista de dança. O profundo sentimento de pertença a subir pela coluna vertebral, corpos carregados de felicidade e catarse em puro êxtase. Para algumas pessoas é apenas uma saída à noite; para muitas é uma bóia de salvação. Regressar depois deste período traumático sem um verdadeiro guia do que devemos fazer para não só mantermos estes espaços abertos, mas também funcionais para as comunidades que os procuram, seria colocá-los ainda mais em perigo. Assim, enquanto nos vão chegando vislumbres de normalidade, questiono-me: para onde ir agora?

Mais de um ano depois de o mundo ter ficado de pernas para o ar, os efeitos duradouros do isolamento, do medo e do luto começam apenas agora a tomar totalmente conta de mim. Nos últimos dias de Março de 2020, em pleno coração da tempestade, escrevi um artigo para o Resident Advisor no qual tentei imaginar futuros possíveis (confissão: este é um dos meus passatempos do momento). Lembro-me de sentir a intensa necessidade de me manter optimista acima de tudo – não compreendíamos bem em que versão do mundo estávamos prestes a entrar, quanto mais qual seria a sua aparência depois disso. Por isso mesmo, sentia-me atraída pelo seu potencial. Não era uma perspectiva completamente cor-de-rosa: sentia-me consciente de como podíamos ser incapazes de melhorar o que precisava de ser melhorado, mas escolhi acreditar na magia do caos como uma espécie de força construtiva.

E agora, à medida que a minha caixa de entrada do email volta rapidamente ao seu antigo aspecto doentio, torna-se cada vez mais difícil manter-me optimista. Estou mentalmente esgotada por me dedicar a eventos que ainda estão por acontecer; por tentar manter artistas motivados que ainda têm de pedir aos promotores para repensarem alinhamentos exclusivamente compostos por pessoas brancas; por me chegarem às mãos contratos que são uma sentença de morte lenta para agências independentes; por esperarem que eu saiba todas as regras de quarentena de todas as regiões do planeta. Se antes o trabalho era duro, agora está perto de ser enlouquecedor.

Existem, claro, aspectos positivos no horizonte. Apesar de a insistência desta indústria em ser simultaneamente um espaço de progresso e de muros, a sua capacidade de reinvenção e de adaptação não tem igual. Os promotores tiveram de garantir o bem-estar dos seus espaços durante este período e têm de se certificar de que isto continua a ser uma prioridade:

Reimaginar a programação como veículo para criar comunidades é crucial para os tempos que aí vêm. Pressionar os governos para reconhecerem os clubes nocturnos como parte essencial da cultura, como foi recentemente alcançado na Alemanha, será a chave para a sobrevivência dos mesmos.

Não só por razões práticas e imediatas, como permitir que tenham acesso a determinados fundos, mas também pela mudança a longo prazo da narrativa usada quando se fala sobre estes espaços.

As conversas sobre a remuneração de artistas, a sindicalização e a criação de plataformas independentes que defendem o pagamento justo pelo acesso a conteúdo inesgotável têm de continuar, pois isto é apenas a ponta do icebergue. Os padrões da indústria de promoção de espaços mais seguros e de locais de trabalho equitativos devem entrar no mainstream e deixar de ser vistos como tarefas próprias de uns quantos independentes.

De forma lenta mas consistente, estes tópicos têm vindo a instalar-se na linha da frente desta indústria e é aí que devem permanecer. Termos sido forçados a fazer uma pausa significou termos tido a capacidade de aprofundar o verdadeiro significado dos espaços ao vivo: são onde as nossas vidas, crenças e sentimentos de liberdade se reflectem directamente em nós.

/ Tradução por Marta Gamito

English Version
Autor

Carin Abdulá

Carin Abdulá is the Head Agent at OUTER, an agency for cutting edge electronic music, working with artists such as Caterina Barbieri, rRoxymore, dBridge and Moritz von Oswald. She also works with Tresor Records as a Curator and Strategist and has been recently appointed as Project Leader for Black Artist Database’s [pause] initiative which pushes for more equitable spaces for Black professionals in the music industry.

Community happens on the dance floor. The deep sense of belonging crawls up your spine, bodies electric with joy and catharsis in pure ecstasy. For some, it’s just a night out; for many, it’s a lifeline. The idea of returning after this traumatic period with no real roadmap of what we must do to not only keep these spaces open, but also functional for the communities who seek it, would be to further endanger it. So, as ideas of normality approach us, I wonder: where to now?

Over one year after the world turned upside-down the long-lasting effects of isolation, fear, and grief are only starting to fully set in for me. On the last days of March 2020, right inside the eye of the storm, I wrote an article for Resident Advisor where I tried to imagine possible futures (full disclosure: this is a hobby of mine at this point). I remember feeling this intense need to remain optimistic above all else; we didn’t quite grasp what version of the world we were about to enter, let alone what it would look like after that, so I felt drawn to its potential. It wasn’t a completely rose-tinted outlook – I felt aware of the ways in which we could fail to reform what needed reforming, but I chose to believe in the magic of chaos as a constructive force.

So now, as my inbox quickly returns to its former unhealthy form, I find it increasingly difficult to remain optimistic. I am burnt-out from putting in work for events that are still not happening; from trying to keep artists motivated from still having to ask promoters to rethink all-white lineups; from being thrown contract terms that are a slow death sentence to independent agencies; from being expected to know every quarantine rule of every territory across the globe. If the job was hard before, now it is near maddening.

There are, of course, positives to look forward to. Despite this industry’s insistence on being simultaneously a place of progress and gatekeeping, its ability to reinvent and adapt are second to none. Promoters have had to nurture their local scenes during this period and they must make sure that this remains a priority:

reimagining programming as a way to build community is crucial for the times ahead. Pushing for governments to acknowledge nightclubs as an essential part of Culture, as recently achieved in Germany, will be key to their survival;

not only for practical and immediate reasons such as allowing them to access certain funds, but also for the long term shift in language when talking about these spaces.

The conversations about artist remuneration, unionising, and creating independent platforms that champion fair payment over endless content must also continue as we’ve not even scraped the surface yet. Industry standards for pushing for safer spaces and equitable workplaces must break into the mainstream and not be seen as tasks only for the independent few.

These topics have slowly but surely made their way into the forefront of the industry and that’s where they should remain. Being forced to pause has meant that we’ve been able to dig deeper into the true meaning of live, physical spaces: they are where our lives, beliefs and sense of freedom are reflected right back at us.

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