Autor

Victoria Ruiz

Victoria Ruiz é vocalista da banda Downtown Boys, considerada pela revista Rolling Stone "a banda punk mais entusiasmante da América". Victoria Ruiz usa a sua plataforma como artista para confrontar o racismo, o capitalismo e as injustiças que alimentam o status quo. Cria de uma mãe solteira da classe trabalhadora e de uma avó mexicana que era trabalhadora agrícola, Ruiz compreende o poder e o potencial da cultura para confrontar o status quo por qualquer meio necessário. O trabalho de Ruiz já apareceu em publicações como a Rolling Stone, Pitchfork, Paper Mag, Spin, Interview Mag, Remezcla, The Talkhouse, The New York Times e Democracy Now!.

Sou uma cantora de punk-rock que viajou por vários países com os meus amigos e camaradas POR CAUSA dos meus amigos e camaradas que montam espaços para concertos. O Sindicato dos Músicos e Trabalhadores Associados (Union of Musicians and Allied Workers – UMAW) mobilizou milhares de trabalhadores da música para participarem nas suas primeiras acções em torno da crise da Covid-19, e continua a organizar-se em torno de questões como a exigência de acordos mais justos por parte dos serviços de streaming, a garantia de que os músicos recebam os royalties que lhes são devidos, a criação de relações mais justas com as editoras e a criação de normas mais seguras para as salas de concertos. Somos um sindicato internacional de trabalhadores que começou nos Estados Unidos. Precisávamos de um sindicato que respondesse às necessidades daqueles a que os sindicatos clássicos chamariam de “músicos de rock ou músicos de clubes”, ou seja, os músicos não clássicos.

O UMAW pretende unir os trabalhadores para lutar por uma indústria musical e por um mundo mais justos. Todas estas campanhas são pérolas de uma concha e de um oceano que é verdadeiramente constituído pelas nossas vozes, as nossas ideias, a nossa música, o nosso trabalho. Como vocalista dos Downtown Boys, uma banda de rock que tem procurado utilizar a sua plataforma tanto quanto possível para analisar e confrontar o poder no status quo, a ideia da música como um veículo é inerente. Mas a realidade dos músicos como forma de poder colectivo tem de passar pela união de todos nós.

A música enquanto arma cultural significa que sob o capitalismo há muitas vezes, geralmente por necessidade, outro trabalho que tem de ser feito para pagar a renda da casa, cuidados médicos, comida, água, etc. Quando a Covid-19 paralisou o mundo, os canais dos nossos meios de produção foram postos em causa. Os espectáculos pararam, restaurantes e cafés que empregam muitos artistas nos EUA encerraram, familiares contraíram o vírus e, de repente, os trabalhadores enfrentaram um novo mundo onde teriam de sobreviver.

Os músicos são um grupo especial de pessoas que têm a capacidade de acordar, sentar-se numa carrinha horas a fio, carregar equipamento para o interior das salas de concertos, fazer soundchecks, esperar durante horas e, depois de tudo, mobilizar energia e talento para fazer aquilo que gostam. Entretanto, no capitalismo, este trabalho é considerado “um passatempo”, “algo que se faz por diversão”. E talvez seja, mas ser músico é uma pluralidade. O que o faz trabalhar e lutar pode ser, simultaneamente, o que o impede de bater com a cabeça contra uma economia e contra um muro social que procura dividir-nos e alienar-nos uns dos outros e de nós próprios.

Depois de numerosas acções colectivas, como as que juntaram músicos em vários locais do país para denunciar a política de imigração do festival South by Southwest, para lutar contra o papel da Amazon no fornecimento de tecnologia ao ICE (a agência de Imigração e de Controlo de Fronteiras dos EUA, responsável pela detenção e deportação de imigrantes) e para contestar o reconhecimento facial em recintos de música, já tínhamos percebido como obter resultados. Mas um sindicato é diferente de uma campanha isolada. Um sindicato supõe o desconhecimento do futuro, associado às inegáveis realidades da injustiça do poder. Um sindicato requer o mesmo tipo de determinação de quando se parte em digressão sem se saber se alguém vai aparecer nos concertos e, ainda assim, fazê-lo.

A criação de um sindicato de músicos revelou-se inevitável quando a Covid-19 nos forçou a reunir uma lista de exigências que iam desde o seguro de desemprego a benefícios para os imigrantes ou à luta pelo Serviço Postal dos EUA. Muitas das nossas exigências podem ter sido sentidas como explosões individuais. Mas o que é a música senão uma constelação de notas individuais e de momentos? Criar uma constelação de exigências ao poder era natural. A partir da nossa campanha inicial, o próprio UMAW desdobrou-se numa pluralidade de subcomités que tanto são de deliberação interna, como os subcomités da nossa Estrutura Interna e o BIPOC (Black, Indigenous, Person of Color – pessoas negras, indígenas e não brancas), como de deliberação externa, como é o caso dos subcomités Label Relations, constituído por uma parceria entre artistas e editoras, e Venues, cuja preocupação é a intersecção entre o trabalho musical e as salas de concertos. No entanto, trabalham em conjunto para tecer uma análise de questões de raça e classe que instigam o conteúdo das nossas acções, como as exigências feitas ao Spotify no âmbito da campanha “Justice at Spotify”, lançadapelo UMAW em Outubro de 2020, ou as exigências feitas para garantir segurança e acessibilidade dos locais de concertos no contexto da Covid-19.

Há que percorrer ainda um intenso processo de aprendizagem para que as pessoas compreendam por que razão a música é mais do que política e como a música é a sua própria política. Por exemplo, quando o UMAW declarou o seu apoio ao movimento global “Boicote, Desinvestimento e Sanções” de apoio à Palestina e reconheceu o papel dos trabalhadores da cultura na luta contra a limpeza étnica levada a cabo pelo governo e exército israelitas, foram necessárias longas conversas, assim como um trabalho de pesquisa. Mas estas são as mesmas competências que empregamos quando compomos um álbum, ou quando pensamos sobre performance, ou quando temos de desligar o cérebro de um trabalho assalariado e mudar o chip para o trabalho de fazer música.

Claro que central na luta pela redistribuição do poder, tal como os nossos pais fundadores imaginaram, é o combate contra a anti-negritude. Esta representa uma grande parte das questões de desigualdade que estamos a tentar abordar. Uma das exigências centrais do UMAW é salvar o Serviço Postal dos EUA, importante por ser um recurso necessário para os músicos e por ser um grande empregador de pessoas negras. Todos os artistas de rock deste colectivo devem tudo a nomes como Sister Rosetta Tharpe e Little Richard: os músicos negros são o berço da música nos Estados Unidos. As políticas de reparação histórica devem incluir o pagamento aos trabalhadores negros e a diminuição do fosso da desigualdade. O Serviço Postal dos EUA é um dos poucos organismos públicos que não serve exclusivamente o império americano. Ajuda a ligarmo-nos uns aos outros, a fazer chegar os nossos discos, o nosso merchandising, a tornar possível um mundo físico para a música.

Em última análise, não queremos apenas uma mensagem simbólica. Queremos pressionar para que haja reparações reais para os músicos negros e para que se perceba que os músicos da classe trabalhadora têm sido privados de grande parte dos meios de produção pelos mesmos sistemas que trabalharam contra nós na redistribuição da riqueza e dos recursos. Sem o desejo e as exigências dos trabalhadores da música, o nosso trabalho não teria valor nenhum. Portanto, vamos exigir a nossa liberdade.

Acreditamos que a única maneira de transformar a música é organizarmo-nos colectivamente para subtrair recursos e poder das poucas grandes empresas que ditam a nossa indústria. Convidamos todos os trabalhadores da música, incluindo músicos, DJs, produtores, equipas de estrada, entre outros, a juntarem-se a nós. Também queremos usar a nossa força para participar nas lutas mais transversais dos trabalhadores e camaradas de todo o mundo. Defendemos o Medicare for All, um Green New Deal, a abolição do ICE, a destruição de fronteiras, a libertação de pessoas encarceradas e muito mais. Os trabalhadores da música são trabalhadores, e está na altura de nos organizarmos e de nos juntarmos à luta. A devastação causada pela Covid-19 abriu-nos os olhos para o que muitos de nós, “músicos rock”, ou “músicos de clubes”, ou “músicos não clássicos”, estávamos a precisar de fazer há muito tempo – mobilizar os nossos próprios meios de produção.

/ Tradução por Linda Formiga

English Version
Autor

Victoria Ruiz

Victoria Ruiz is the front woman for Downtown Boys, which Rolling Stone named "America's Most Exciting Punk Band”. She uses her platform as a touring and recording artist to confront racism, capitalism, and the inequities that drive the status quo. As a product of a working class single mom and a Chicana grandmother who was a farmworker, Ruiz understands culture's power and potential to confront the status quo by any means necessary. Ruiz's work has been featured in Rolling Stone, Pitchfork, Paper Mag, Spin, Interview Mag, Remezcla, The New York Times, The Talkhouse, and Democracy Now.

I am a rock and punk singer who has travelled many land masses with my friends and comrades and BECAUSE of my friends and comrades who set up show spaces. The Union of Musicians and Allied Workers (UMAW) mobilized thousands of music workers to take part in our first actions around the Covid-19 crisis, and continues to organize around issues such as demanding fairer deals from streaming services, ensuring musicians receive the royalties they are owed, establishing more just relationships with labels, and creating safer guidelines for venues. We are an international labor union that started in the United States. We needed an organization that addressed the needs of what classical labor unions would call “rock or club musicians,” who are non classical musicians. UMAW aims to join workers together to fight for a more just music industry and world. These campaigns are all pearls of a shell and an ocean that is truly made up of our voices, our ideas, our music, our labor. As a singer in Downtown Boys, a rock band that has sought to use our platform as much as we can to analyze and confront power in the status quo, the idea of music as a vessel is inherent. But the reality of musicians as a form of collective power can only happen through a union of us.

Music as a cultural weapon means that under capitalism, there is often, usually by necessity, other labor that must be performed in order to pay rent, pay for medical care, food, water, etc. When Covid-19 hit the world by stop, a wrench was thrown into the channels for our means of production. Shows stopped, restaurants and cafes that employ so many artists in the U.S.A. closed down, family members contracted the virus, and suddenly workers faced a new world in which to survive.

Musicians are a special group of people who know how to wake up, sit in a van for hours on end, carry gear into venues, soundcheck, wait for hours, and then summon energy and skill to do what they love. Meanwhile, under capitalism, this labor is deemed “a hobby,” “something to do for fun.” And maybe it is, but being a musician is a plurality. What makes you work and struggle can simultaneously be what is keeping you from banging your head against an economy and society’s wall that seeks to divide and alienate us from each other and from ourselves.

After numerous collective actions as musicians planted in various places through the country where we took on South by Southwest’s immigration policy, fought against Amazon’s role in providing technology to ICE (the Immigration and Customs Enforcement agency responsible for immigration detention and deportations), and pushing back against facial recognition at music venues, we already knew how to get things done. But a union is different from a single campaign, a union requires the unknown of the future with the very known facts of the inequity of power. A union requires the same gull of going on tour and not knowing if a single person is going to show up at your shows, but doing it anyway.

A union of musicians felt only natural when Covid forced us to bring together a slate of demands from unemployment insurance, to benefits for immigrants, to fighting for the U.S. Postal Service. Many of our Covid demands may have felt like individual balls of fire. But what is music but a constellation of these single notes and moments? To create a constellation of demands on power was natural. From our initial campaign, UMAW itself has grown into its own multiverse of subcommittees that are both inward facing like our Internal Structure and BIPOC (Black, Indigenous, Person of Color) subcommittees to outward facing like our Venues and Label Relations subcommittee. However, we work together to weave an analysis of race and class to induce the content of demands on Spotify or safety of music venues.

There is still a steep learning curve for people to understand why music is more than political and how music is its own politics. For example, when UMAW voted to support the Boycott and Divestment Sanctions movement to support Palestine and recognize cultural workers’ role in confronting ethnic cleansing by the government and military of Israel, it took difficult conversations and research. But these are the same skills that we employ when writing a record or when thinking about performance or having to turn your brain off from a wage job to the labor of making music.

Of course, central to the fight for the redistribution of power as our founding members shared is the fight against anti-blackness. This is a huge piece of the inequality issues we are trying to address. One of UMAW’s central demands is to save the post office, which is important because it’s a necessary resource for musicians and is a huge employer of black people. Every rock artist in this group owes everything to musicians like Sister Rosetta Tharpe and Little Richard, because Black musicians are the foundation of music in the United States. Reparations must include paying Black workers and closing the gap of inequality. The U.S. Postal Service is one of the few public agencies that isn’t purely for U.S.empire. It helps connect us, mail our records, send our merch, make a physical world for music possible.

Ultimately, we don’t just want a symbolic message. We want to push for real reparations for Black musicians and realize that working class musicians have been stripped of so much of our means of production by the same systems that have worked against us in the redistribution of wealth and resources. Without the desire and demands of rank and file musicians, our work would be nothing. So, let’s demand our freedom.

We believe that the only way to transform music is to collectively take resources and power from the few wealthy companies that dictate our industry. We invite all music workers, including musicians, DJs, producers, road crew, and others, to join us. We also aim to use our strength as music workers to join in the broader struggles of our fellow workers across the globe. We stand for Medicare for All, a Green New Deal, abolishing ICE, destroying borders, the freeing of incarcerated people, and more. Music workers are workers, and it is time we get organized and join the fight. The devastation of Covid made us dust off and rust on the need of what many of us “rock,” or “club,” or “non-classical musicians” have needed to do for a long time — mobilize our own means of production.

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