Autor

Paula Mejía

Paula Mejía é editora de cultura da Texas Monthly e escreve para a The New Yorker, a Rolling Stone, entre outras publicações. É editora co-fundadora da série “Turning the Tables”, da NPR Music, e autora de um livro sobre o álbum Psychocandy, da banda The Jesus and Mary Chain.
Paula Mejía is Texas Monthly's culture editor, and contributor to The New Yorker, Rolling Stone, and others. She is a co-founding editor of the NPR Music series “Turning the Tables”, and authored a book on The Jesus and Mary Chain’s album Psychocandy.

Originalmente publicado na NPR

Para os amantes de música, os serviços de streaming são vistos como uma proposta tentadora: acesso ilimitado e imediato a música dos quatro cantos do mundo a troco de uma pequena mensalidade (ou gratuitamente, se a publicidade não fizer diferença). Actualmente, em parte, ser-se artista — quer se seja a estrela do momento, como qualquer Bad Bunny da vida, ou um desconhecido músico independente — implica, igualmente, ter de se mergulhar neste tipo de serviço. 

Em muitos aspectos, o boom dos serviços de streaming tem sido uma história de sucesso para a indústria discográfica. A MIDiA Research, uma empresa de consultadoria estratégica para a indústria discográfica, refere que as receitas resultantes da música gravada subiram, vertiginosamente, para os 18,8 mil milhões de dólares em 2018, representando uma subida de 2,2 mil milhões de dólares em relação a 2017 — nesse período, o serviço de streaming cresceu 30% comparativamente ao ano anterior, subindo para os 9,6 mil milhões de dólares. Num relatório intercalar de 2019, a Recording Industry Association of America (RIAA) elogiou o facto “de o mercado norte-americano da música gravada ter continuado a trajectória de crescimento global, a nível das tendências e do crescimento na casa das dezenas de 2018. A subida nas receitas deveu-se ao número de subscrições pagas, que, pela primeira vez, ultrapassou os 60 milhões”.

Ao passo que os serviços de streaming se continuam a desenvolver a um ritmo alucinante, o sistema através do qual os artistas são pagos não tem avançado à mesma velocidade — querendo isto dizer que, como é apontado pelos contestatários, muitos artistas ainda recebem muito pouco. O valor recebido pela música ouvida em streaming pode apresentar grandes discrepâncias, dependendo do facto de o artista ter, ou não, um contrato com uma das grandes editoras discográficas ou com uma editora discográfica independente, ou ainda de ser, ou não, não só autor das suas próprias canções, mas também intérprete. E, nos casos apresentados, as cláusulas dos contratos podem tornar a folha de pagamento indecifrável para qualquer um.

O modelo de negócio da Spotify e da Apple Music é um modelo pro rata, o que quer dizer que os titulares dos direitos da música recebem de acordo com a quota de mercado: ou seja, de acordo com o número de vezes que a sua música é ouvida em streaming, comparativamente com o número de vezes que são ouvidas as canções mais populares num determinado período. Os titulares dos direitos das canções mais ouvidas acabam, assim, por ser quem recebe mais. “O modelo pro rata é encarado como um modelo fundamentalmente objectivo e justo. Porém, não tem em conta os diferentes padrões de utilização”, refere Will Page, economista-chefe da Spotify. “Pode dizer-se que este modelo apresenta resultados positivos, na medida em que cada reprodução de uma determinada canção rende o mesmo montante, para além de ser um modelo sem grandes custos operacionais.”

A rentabilidade deste modelo encontra-se bem documentada num estudo de 2017 da Digital Media Finland, que conclui que os modelos de streaming pro rata beneficiam, tendencialmente, os próprios serviços, já que estes ficam com 30% da mensalidade paga pelo utilizador. Os titulares dos direitos da música gravada — editoras, produtores e intérpretes — dividem os lucros de acordo com uma percentagem entre 55-60%. Os titulares dos direitos da própria canção — compositores, orquestradores, empresas de edição de música e letristas — ficam com 10 a 15% do bolo.

Os críticos referem que o modelo pro rata privilegia desproporcionadamente os principais artistas e editoras, deixando pouca margem de manobra para que, mesmo artistas com uma exposição mediana, com dezenas de milhões de reproduções das suas canções no Spotify, consigam um acordo justo.

Os fãs também não têm uma palavra a dizer no que toca à forma como é usada a sua mensalidade. Paralelamente à promessa de “música para todos” (o slogan do Spotify), veio ao de cima uma verdade nua e crua: inúmeros artistas não conseguem ter uma vida condigna nesta nova era.

Os artistas dizem que os números dos serviços de streaming são, muitas vezes, dúbios. “[O Spotify] não permite o acesso a informações concretas, especialmente informações financeiras”, refere o músico Damon Krukowski, membro de projectos como Galaxie 500 e Damon & Naomi. “Pode-se andar a ver os recibos dos honorários, mas não é fácil.” Algumas pessoas especulam que até os próprios números dos serviços de streaming podem não estar totalmente correctos. Em 2019, veio a público que o Tidal, o serviço de streaming em alta fidelidade de Jay-Z, estava sob investigação, após a acusação, por parte do jornal norueguês Dagens Naeringsliv, de que essa plataforma apresentava um número exagerado de reproduções relativamente aos álbuns The Life of Pablo, de Kanye West, e Lemonade, de Beyoncé, “até se chegar às largas centenas de milhões de reproduções forjadas… Facto que implicou o pagamento de avultadíssimas quantias em honorários, à custa de outros artistas”, conforme denunciou o jornal no seu artigo.

O fenómeno do streaming também está a mudar, no seu todo, a forma com as pessoas criam a sua música. O site DIY Musician, da distribuidora independente CD Baby, propõe que, para os músicos que queiram tirar um maior partido da sua música na era do streaming, talvez o melhor a fazer seja encontrarem uma forma de alterar a estrutura das suas canções, para que o refrão chegue em primeiro lugar aos ouvidos do ouvinte. “Actualmente, espera-se que todos os artistas assumam a sua dívida moral para com a máquina da música pop”, refere Liz Pelly, editora da The Baffler e jornalista que escreve sobre o fenómeno do streaming. “A ideia de que uma plataforma possa, um dia, servir todos os artistas é algo que tem de se analisar com atenção.”

Têm surgido serviços que podem, eventualmente, ser uma alternativa mais justa para as pessoas cujo sustento depende dos rendimentos obtidos através do streaming. Um desses serviços, o Resonate, tem um modelo “stream-to-own”. Este serviço opera segundo um modelo em que os custos de um download são divididos por várias reproduções da mesma canção; após a mesma canção ser ouvida nove vezes, o pagamento de um pequeno montante, que vai subindo ligeiramente com cada reprodução, permite ao utilizador, no final, ficar com a canção para si. A empresa opera segundo um modelo cooperativo, o que quer dizer que toda a gente tem uma palavra a dizer no que diz respeito a lucros e a decisões a tomar. A Resonate refere que paga 0,006 dólares por cada reprodução, um dos valores mais elevados quando comparado com os valores supostamente pagos actualmente por outros serviços de streaming.

O Bandcamp é outro serviço bastante prezado por quem o usa. Contrariamente ao Spotify e ao Apple Music, o Bandcamp dá a possibilidade não só de ouvir canções em streaming, mas permite também que os artistas fixem um preço de venda para o seu trabalho, e que os utilizadores sugiram um preço de compra para essas mesmas canções. Mas, realisticamente falando, o Bandcamp não chega aos números do Spotify, não só a nível do número de utilizadores, mas também de receitas obtidas. “No Bandcamp é possível saber-se de onde veio cada centavo e para onde foi cada centavo”, diz Krukowski. “Claro que os números são radicalmente diferentes. Neste momento, o Spotify é uma peça importante dos rendimentos provenientes da música, e o Bandcamp ainda não o é.”

O modelo centrado no utilizador, uma alternativa ao modelo pro rata, tem como principal objectivo garantir que o dinheiro de quem ouve a música vai directamente para os artistas que a criam. Will Page, do Spotify, acredita que a complexidade do modelo centrado no utilizador “implicaria, muito provavelmente, uma subida dos preços, e que o valor de cada reprodução poderia tornar-se mais volátil e também mais imprevisível”. Outros encaram este modelo, eventualmente, como uma forma mais ética de ouvir música em streaming, e esta ideia está a ganhar adeptos: tem sido noticiado que o Deezer, um serviço de streaming francês, está a explorar um modelo de licenciamento de música centrado no utilizador.

Pelly vê com bons olhos o facto de os artistas terem acesso a mais recursos, à semelhança do que fez a organização sem fins lucrativos Cash Music, ao apresentar um modelo open-source. “Seria uma grande alegria ver artistas, comunidades e editoras independentes darem as mãos e tomarem as rédeas no que toca à criação das relações que se podem estabelecer entre estes intervenientes, assim como à criação das suas próprias plataformas”, diz Pelly.

No fundo, a existência de mais modelos traduz-se em mais opções e numa margem de manobra maior no que diz respeito à exploração de possibilidades que ainda não existem — parte crucial de um ecossistema que permita que a música mainstream seja divulgada, harmoniosamente, em conjunto com a música mais experimental. “Apesar de não estar muito optimista em relação à capacidade de pequenas iniciativas destronarem o Spotify”, diz Krukowski, “tenho esperança de que essas pequenas iniciativas possam criar algo completamente diferente”.

/ Tradução por Nuno Santos

English Version

Originally published at NPR

The success of streaming has been great for some, but is there a better way?

Streaming services offer music fans a tantalizing premise: instant, limitless access to music from all over the world for a small monthly fee (or for free, as long as you’re cool with advertisements). Part of being an artist now — from Top 40 superstars to independent bedroom songwriters, the Bad Bunnys and Nobunnys alike — entails throwing oneself into these services, too. 

The streaming boom has been a success story for the music industry in many ways. Industry strategy firm MIDiA Research notes that recorded music revenues ballooned to $18.8 billion in 2018, a $2.2 billion uptick from 2017 — within that, streaming was up 30% year on year, and climbed to $9.6 billion. In a mid-year 2019 report, the Recording Industry Association of America (RIAA) touted the fact that “the US recorded music market continued the overall trends and double digit growth rates of 2018. Revenue increases were driven by the number of paid subscriptions exceeding 60 million for the first time.”

While streaming continues to evolve at a breakneck pace, the system through which artists are paid hasn’t progressed in tandem — meaning that, as dissenters note, many artists are still paid little. Streaming payouts vary wildly depending on whether artists are signed to a major or independent label, or if they’re songwriters of an individual tune, as well as the performers. And within these situations, the terms of these contracts can make one artist’s pay stub unrecognizable to another’s.

Spotify and Apple Music’s model is known as pro rata, which means that rights holders are paid according to market share; how their streams stack up against the most popular songs in a given time period. The people who hold the rights to the most listened-to tracks, then, stand to make the most. “The pro rata model is perceived as being inherently objective and fair, however, it doesn’t take into account different user behaviors,” says Will Page, Spotify’s Chief Economist. “Arguably, it does produce an efficient outcome in that every stream is worth the same and it is relatively cost-efficient to manage.”

That cost efficiency is outlined well in a 2017 study from Digital Media Finland, which found that pro rata streaming models tend to benefit the services themselves, who keep about 30% of a subscriber’s fee. The rights holders of the recordings, which include record labels, producers, and performers, split about 55 to 60%. The rights holders of the song itself — which includes composers, arrangers, music publishing companies and lyricists — see about 10 to 15% of that pie. 

Critics say the pro rata model disproportionately privileges top artists and labels, and leaves little chance for even midsize artists, with tens of millions of listens on Spotify to get a fair shake.

Fans also have no say in where their subscription dollars head. In parallel to the promise of “music for everyone” (as Spotify’s tagline goes), a harsh truth has emerged: countless working artists can’t feasibly make a decent living in this new world.

Artists say that streaming numbers can often be murky. “You cannot get at actual data, especially financial data [from Spotify],” says the musician Damon Krukowski, who plays in the projects Galaxie 500 and Damon & Naomi. “You can look back through your royalty statements, but it’s hard to do.” Some speculate that those reported streaming numbers themselves might not even be entirely correct, either. In 2019, news broke that a criminal investigation is underway against Jay-Z’s high-fidelity streaming service, Tidal, following accusations from the Norwegian newspaper Dagens Naeringsliv that the platform had exaggerated listener streaming numbers for Kanye West’s The Life of Pablo and Beyoncé’s Lemonade “to the tune of several hundred million false plays… which has generated massive royalty payouts at the expense of other artists,” as they wrote in their report.

Streaming is changing how people write music altogether too. The independent distributor CD Baby’s DIY Musician blog, for instance, suggests that if musicians want to optimize their music for the streaming age, they might want to explore changing the structure of their song to have the chorus hit listener’s ears first. “Now all artists are expected to be beholden to the mechanisms of pop music in a sense,” says Liz Pelly, a contributing editor for The Baffler and journalist who covers streaming. “The idea that one platform could ever serve all artists is something to really be scrutinized.”

Alternatives have emerged that can, perhaps, offer a more equitable path to those whose livelihoods depend on it. One service, Resonate, functions on a “stream-to-own” model. It works by splitting the cost of a digital download into several streams; after listening to a song nine times, paying a small amount that slightly increases with each listen, the person then owns it. The company is a co-op, so everyone has a say in profits and decision-making. Resonate notes that they pay $0.006 per stream, falling on the high end of what current streaming services reportedly pay out.

Bandcamp is another model that’s beloved by the people who use it. Unlike Spotify and Apple Music, the service not only enables listeners to stream songs, but also allows both artists to set the price for their work and listeners to name a price to own the songs. But realistically, Bandcamp doesn’t do the numbers that Spotify does, in both subscribers and revenue. “Bandcamp, you can see each and every single penny where it came from and where it went,” Krukowski says. “Of course, the numbers are radically different. Spotify at this point is an important part of our music income, and Bandcamp is not yet.”

The user-centric model, an alternative to the pro rata model, focuses on a listener’s money going directly to the artists they listened to. Spotify’s Will Page argues that the complexity of the user-centric model “would arguably come at an increased cost, and the value of a stream would be more volatile, and less predictable, as well.” Others see it as perhaps a more ethical way to stream music, and the idea has picked up steam: the French streaming service Deezer has been said to be exploring user-centric licensing.

Pelly sees a way forward in offering further resources for artists, in the way that the nonprofit Cash Music allowed for open-source coding. “I would love to see artists and independent labels and communities take the work of establishing those relationships more into their own hands, and to build websites on their own,” she says.

Ultimately, having more models out there means more options and further room to experiment with possibilities that don’t yet exist yet — a critical part of an ecosystem that allows for the mainstream to flourish alongside more experimental sounds. “While I’m not optimistic that such small initiatives will topple Spotify,” Krukowski says, “I am optimistic that it might create something else entirely.”

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