[ENG] With a degree in Journalism, Ricardo Farinha collaborates in freelance with publications such as Rimas e Batidas, Mensagem de Lisboa, Observador, Time Out Lisboa, Comunidade Cultura e Arte or Bantumen, among others, almost exclusively in the area of culture. He is the author of the book Hip Hop Tuga - Four Decades of Rap in Portugal and has been teaching on the same subject at ETIC since 2018. He had the radio program Raptilário while he was culture editor of NiT magazine and in 2020 he was one of the promoters of the anti-racist solidarity compilation Labanta Braço.
Foi à noite que se começaram revoluções, que se desconstruíram valores instituídos, que se impuseram aqueles que o dia tornou, tantas vezes, invisíveis.
O dia era 29 de setembro de 1998. Pela primeira vez, o LuxFrágil abria portas para a sua pista de dança. Estávamos no penúltimo dia da Expo’98, quando o hoje conhecido espaço noturno da capital era inaugurado, num edifício onde outrora tinha funcionado uma empresa de estiva. Primeiro como ilha num território abandonado da cidade – marcado pelas fossas de industrialização cinzentas que ali nasceram e morreram –, depois como espaço de diálogo e profusão artística. 25 anos depois de surgir no mapa, trilhou-se um caminho que, afinal de contas, iria mudar, em definitivo, a noite de Lisboa. Por ali passaram grandes criadores, músicos, DJs, designers e artistas plásticos que davam outra cor a uma cidade e a um país que tardava em abrir-se ao mundo.
“O que vais fazer hoje à noite? Vou dançar, conversar e, quiçá, mudar a minha vida.” De Lisboa para o mundo, o Lux era – e continua a ser – um daqueles sítios que “não é só mais um”. Legados à parte, serve hoje como representação daquilo que a vida noturna pode trazer à cidade. Serve ainda como reflexão do que se quer como herança para o futuro, sobretudo num tempo tantas vezes dominado por lógicas meramente económicas. E quando entramos no debate sobre o que representa o puro entretenimento versus uma verdadeira forma de fruição cultural e artística, também passamos pela noite. É a sua herança cultural que se agiganta, no passado, como no presente.
Ao longo das últimas duas décadas, muitas cidades começaram a adotar uma abordagem proativa em relação à sua noite. A começar por Amesterdão, nos Países Baixos, e Berlim, na Alemanha, várias nomearam os chamados “night mayors” ou, até mesmo, comissões responsáveis por uma “governança coparticipada” da noite. No caso de Lisboa, foi criado o LXNIGHTS, um grupo informal de investigação académica sobre a noite lisboeta e as transformações urbanas que ela provoca, composto por investigadores da Universidade Nova de Lisboa e do ISCTE – Universidade de Lisboa, que criaram igualmente o Observatório do Lazer Noturno em Lisboa. Jordi Nofre, coordenador do LXNIGHTS, explica que o projeto tem o intuito de estudar a noite lisboeta em diversos vetores, que vão desde a gestão e a segregação dos espaços ao impacto do turismo.
Ao contrário do Porto, onde existe a denominada Movida, que gere e cria regulamentações para a vida noturna portuense através do poder municipal, o LXNIGHTS nunca chegou a ser designado ou apoiado pela autarquia. Até hoje, a capital portuguesa permanece sem uma entidade responsável pelo estudo da vida noturna.
O turismo massificado e os interesses patrimoniais, explica Jordi Nofre, são hoje valorizados em relação à herança cultural da noite e à criação de espaços inclusivos, com lógicas comunitárias, que serviam como ponto de encontro. “A visão da noite é economicista, mas ao contrário do Porto, onde há uma gestão de equilíbrios entre os diferentes atores que representam o sector, em Lisboa optou-se por uma cultura noturna turística, onde não há pontos de partilha e que tem vindo a destruir o seu vetor multicultural”, salienta.
Ainda assim, certo é que as políticas sobre a vida noturna começaram a entrar no léxico das principais cidades, não apenas pela economia que as mesmas dinamizam, alavancadas pelo turismo, mas também pelo lado mais simbólico que a noite carrega. E antes de olhar para a herança cultural da noite, é preciso saber medi-la para que saibamos o verdadeiro impacto que tem, como evidenciam os relatórios Creative Footprint, desenvolvidos pela consultora VibeLab, que têm proporcionado uma análise da noite a partir de cidades como Estocolmo, Tóquio, ou Nova Iorque. Dani Ribas, socióloga e diretora da empresa de consultoria Sonar Cultural, explica desde logo a importância de medir esse impacto:
Na mesma linha, Jordi Nofre defende que “devido ao superavit financeiro que o turismo deu à autarquia lisboeta, pode ser criado um mecanismo para a gestão de espaços e uma programação, que não seja apenas para os turistas que gostam da noite da capital portuguesa, porque se assemelha a um parque temático para o qual pagam bilhete, mas onde podem fazer tudo livremente”.
Também é desta forma que se separa aquilo que são espaços de entretenimento daqueles que carregam consigo um exercício cultural e criativo, através da programação que dinamizam. A partir de muitos espaços e do património que estes carregam, encontram-se igualmente as memórias coletivas de muitos artistas. DIDI, artista transdisciplinar, natural do Brasil, mas a residir em Lisboa, fala da “noite e da festa como ato político”, lugar de acolhimento dos corpos negros, trans ou queer, através dos quais as artes são uma expressão que cria visibilidade. É parte de uma narrativa partilhada por muitos. Mas voltemos atrás no tempo. Já na Antiga Grécia ou até mesmo nas cidades pré-helénicas, a noite era tida como momento celebratório e de maior liberdade. Era nesse encontro que muitos dos valores vigentes eram colocados sob reflexão e, de alguma forma, desconstruídos. O lazer noturno não é de agora, portanto, mas há razões que explicam a sua importância nos dias que correm.
Cristiana Vale Pires, investigadora na Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa e membro da Kosmicare, aponta desde logo duas: “por um lado, a democratização da noite como espaço de sociabilização nas ditas cidades de 24 horas; por outro, a feminização dos espaços”. Durante décadas, a noite foi hiper masculinizada, relembra a investigadora, nomeando inclusive as boates e os gentlemen’s clubs como exemplos dessa evidência.
A noite como espaço performático: onde cabem estes corpos?
A experiência carrega-se no tempo. Yura, DJ e produtora trans não-binária, explica que encontrou na noite mais do que um espaço de experimentação, um laboratório “onde cada pessoa é o seu próprio objeto de estudo”.
“Querendo ou não, estamos a falar de algo ritualístico, onde há pessoas que atuam, outras que dançam. Vejo a noite como lugar para se experimentar e onde se pode ser divergente.”
Há trajetórias históricas que não deixam de ser importantes em virtude das identidades acolhidas. Os corpos negros, queer ou trans, tal como os corpos femininos encontraram na noite a opressão, mas também uma forma de superação e mudança. Foi um percurso que durou décadas – basta pensarmos na Revolta de Stonewall, em 1969. “Se olharmos para o passado, vemos desde logo a cultura do ballroom, que era excluída e marginalizada, mas que nos permitiu sonhar. É essa a herança: a noite é o momento onde podemos sonhar outras possibilidades de futuro”, salienta Yura. “Para mim, isso começou com a ideia de que era ali que podia beijar quem eu quisesse, sem sofrer repressão, e possibilitou-me esse contacto com a sexualidade, juntando ao facto de me ter ligado à música e me ter possibilitado ver os primeiros DJs que me moldaram como artista.”
Se no caso das grandes cidades, diversos espaços noturnos foram ganhando a sua importância e património, hoje são muitas vezes colocados em causa, pela programação a que não chegam ou por manterem uma rigidez na forma como são geridos. Atualmente, explica Yura, a “cena independente” ganhou espaço em relação aos clubes. “Estes espaços têm outra liberdade e possibilitam criar esse lado da comunidade sem regras tão autoritárias e repressivas.” São espaços mais seguros, embora muitas vezes colocados à parte ou relegados para zonas periféricas das cidades. “Isso também está a acontecer em Lisboa, mas aconteceu noutras cidades europeias.”
Fundada em 2016, a Kosmicare é uma organização sem fins lucrativos que “trabalha para transformar a cultura da vida noturna, através de políticas e intervenções humanistas, abrangentes e baseadas na evidência científica”. A sua premissa inicial é a ideia de se criarem espaços mais seguros. “Atualmente é um hot concept, e corremos o risco de se esvaziar de significado, como já acontece com a ideia de sustentabilidade.
Pode criar-se, diz, um complexo salvacionista, isto é, a criação de regras de segurança que podem ter o efeito contrário, deixando estes espaços mais limitados na liberdade que podem ter:
Atualmente, a Kosmicare aposta precisamente num trabalho junto dos espaços, para que os mesmos façam protocolos e estabeleçam os seus próprios regulamentos. “Dependerá sempre da visão de quem gere este espaço e da sua intenção e esse aspecto será preponderante para o futuro da noite.”
Que herança transporta a noite?
A noite pode ter muitas formas. Naturalmente, existem espaços noturnos que podem estar associados a uma componente mais comercial de entretenimento, e outros que atuam enquanto agentes culturais e políticos. Certo é que, muitas vezes, o sector da noite está conotado com uma série de preconceitos. Muitas vezes, deveríamos falar sobretudo de cultura.
Foi o que aconteceu, por exemplo, na Alemanha, quando o governo federal decidiu, em 2021, considerar os clubes noturnos instituições culturais, lado a lado com teatros, museus ou salas de espetáculo. Anteriormente, estavam enquadrados como “espaços de entretenimento”, na mesma categoria de salões de jogos ou casinos. Esta não foi apenas uma mudança de paradigma simbólica, tendo tido também um impacto real e significativo. Enquanto instituições culturais, os clubes (que, na capital Berlim, são das principais atrações turísticas e representam parte essencial da sua identidade) tornaram-se menos frágeis face aos processos de gentrificação e de especulação imobiliária.
Por exemplo, passaram a ter benefícios fiscais e a conseguir evitar alguns problemas relacionados com a legislação relativa ao ruído — quando alguém se muda para um local próximo de um clube, tendo em conta que já deveria saber da existência do mesmo, não poderá reclamar do ruído se o espaço cumprir as regras em vigor. Estas são algumas medidas que foram implementadas e que ajudam a fortalecer a posição vulnerável dos espaços noturnos. Sendo um país com uma cultura de clubbing tão forte, a Alemanha está na linha da frente da procura de soluções, e o seu esforço poderá estar a influenciar outros territórios a fazerem o mesmo.
Em 2023, Bruxelas, a capital belga, reconheceu a sua vida noturna como “herança cultural viva”. Neste caso, não houve uma mudança de enquadramento legal, mas pode ser um elemento simbólico importante, defende a Brussels Night Council. “O reconhecimento da vida noturna permite-nos documentar a sua vocação cultural e social, expandir o nosso conhecimento sobre isto, e depois integrar o fenómeno na paisagem noturna urbana de uma forma sustentável”, disse a associação aquando do anúncio.
Também Amesterdão, nos Países Baixos, tem tomado medidas neste sentido. A cidade lançou, em 2023, a Night Culture Implementation Agenda 2023-2026, para alocar recursos públicos à sustentabilidade da sua vida noturna, transformando ideias em medidas concretas. Foi atribuído um milhão de euros para apoiar uma série de programas ligados aos espaços, nomeadamente para estabelecer novas zonas noturnas na cidade, numa altura em que muitos clubes se veem ameaçados pelos processos de gentrificação. Além disso, foi lançado um projeto-piloto para a criação de um fundo de mitigação dos problemas relacionados com o ruído, contribuindo para aumentar a vida útil dos espaços que possam necessitar de obras de remodelação para melhorar o isolamento acústico.
Já Bolonha, em Itália, tem-se esforçado para construir um Plano Noturno para a cidade, com a participação ativa dos cidadãos. O processo teve início em 2023 com um inquérito público destinado a recolher informações sobre as “necessidades, prioridades e expetativas” dos residentes relativamente à vida noturna da sua cidade, abordando questões como a mobilidade, a partilha partilha de espaços públicos, impactos sonoros, oferta cultural dignidade do trabalho e problemas relacionados com a saúde. A partir daqui, será desenhada uma visão estratégica e política para a noite da cidade.
Em Portugal, a pandemia evidenciou as fragilidades de um sector fortemente marcado pela precariedade laboral. Foi nessa altura que se formou a Circuito, uma associação de salas com programação musical própria. Para Pedro Fradique, programador do LuxFrágil, é imperativo distinguir quem é o quê, mesmo que todos os espaços sejam património noturno de uma cidade. “Se olharmos para o Cais do Sodré, sem dúvida que o Musicbox e o Lounge são totalmente diferentes da maior parte dos espaços que estão à volta deles, mesmo que os outros espaços também vendam copos, tenham música alta e DJ. Não é tudo a mesma coisa, acho que o horário em si não atribui nenhum estatuto”, defende, sublinhando que é um “trabalho continuado de programação” que distingue estes clubes. “Quando se trata de apoios estatais, é importante haver esta distinção. Os espaços que investem na programação e até no cruzamento de várias artes merecem um enquadramento diferente. São estes clubes que funcionam como balão de ensaio. Depois temos as discotecas com as zonas VIP e coisas desse género, que é algo que não tem nada de cultural.”
Durante a pandemia, as salas lisboetas da Circuito — LuxFrágil, Musicbox, B.leza, Casa Capitão, Casa Independente, Damas, Hot Clube de Portugal, Lounge, RCA Club, Titanic Sur Mer, Valsa e Village Underground — receberam um apoio financeiro da autarquia para programação. “Hoje, o nosso trabalho tem que ver com compilar informação que permita, de alguma maneira, chamar a atenção para a especificidade destes espaços.” Pedro Fradique reconhece que ainda existe um preconceito em torno da noite, mesmo que tenha havido uma evolução significativa ao longo dos anos.
José Diogo Vinagre, responsável pelo Ministerium Club, um clube no Terreiro do Paço com programação de música eletrónica, responde no mesmo sentido. Por um lado, acredita que a imagem negativa se tem vindo a “desmistificar”. “Há 10 anos tínhamos muitas dificuldades em falar com parceiros sobre o clube e o nosso festival Lisb-on, mas hoje essa barreira está dissipada.” Por outro, permanece um “conservadorismo” por a noite estar “associada ao consumo de álcool e drogas, e relacionada com alguma violência ou crime”. “Temos pessoas a contrato, com um bom vencimento, mas mesmo assim os amigos e família têm dificuldade em aceitar que aquela pessoa tem um trabalho válido. Porque, se trabalha à noite e aguenta tanto tempo, é porque tem de consumir alguma coisa ou porque anda a fazer algo de errado… Se paga contas só com a noite é porque se calhar tem uma forma ilícita de ganhar dinheiro. E isso não é de todo o que fazemos.”
José Diogo Vinagre salienta que os clubes, se forem “bem geridos”, não precisam de apoios do estado. Mas acredita que deveriam ser mais reconhecidos enquanto espaços de cultura. “E é normal que outros países estejam muito à frente. Na Alemanha então, a música eletrónica foi super importante depois da queda do muro de Berlim, é algo histórico. Temos de ver a música e o clubbing não só como entretenimento, mas também como atos políticos.”
O turismo, a gentrificação e a transformação das cidades
Um pouco por toda a Europa, sobretudo nas grandes capitais, os efeitos do turismo têm provocado uma gentrificação que muitas vezes ameaça a herança cultural da vida noturna das cidades. O balanço entre cultura e turismo pode não ser fácil de gerir, embora sejam várias as figuras que acreditam que os dois sectores podem andar de mão dada, como é o caso do presidente da EGEAC, Pedro Moreira, que também pertence à Associação de Turismo de Lisboa.
Na famosa rua Cor de Rosa do Cais do Sodré, conhecida historicamente pelo circuito de bares e pequenos clubes, o Tokyo, o Jamaica e o Europa tiveram de fechar portas e encontrar um novo espaço quando os proprietários do edifício venderam as suas frações a uma empresa que irá converter o prédio num hostel. Este foi um dos vários exemplos recentes na cidade; neste momento, instituições como o Arroz Estúdios, a Casa Independente, a Sirigaita e a Sociedade Musical Ordem e Progresso (SMOP) são outros espaços culturais que, muito provavelmente, terão de encerrar e terminar a sua atividade nos próximos tempos. Todos eles foram notificados de que terão de abandonar os espaços que ocupam e não encontram alternativa, sobretudo face aos preços galopantes na capital portuguesa.
Em Lisboa, a autarquia apoia, por exemplo, as associações e coletividades que organizam as marchas populares nas diferentes zonas do concelho. Mas não há medidas concretas para salvar os espaços culturais que se veem ameaçados pelos processos de gentrificação — mais uma vez, ao contrário de Berlim, que, em 2012, já criara um fundo de um milhão de euros para ajudar a proteger a cena noturna da cidade, tendo em conta os desafios enfrentados perante o desenvolvimento imobiliário.
Por outro lado, o afastamento do público local do centro da cidade, o seu menor poder de compra desse público e o facto de existir uma certa sobrelotação da audiência turista são tudo fatores que estão a afetar os espaços noturnos.
“Seria idiota dizer que não beneficiamos com o turismo, mas o Ministerium também é prejudicado pela gentrificação de Lisboa”, explica José Diogo Vinagre. “Ninguém quer ir a uma discoteca cheia de turistas. Tu queres ir onde estão os locais. E se os locais são expulsos da cidade, e estão a pagar balúrdios pela habitação, obviamente que a prioridade deles não será ir a uma discoteca. E isso já se nota.”
O Lux Frágil não faz pré-venda de bilhetes, a não ser quando são concertos, precisamente para evitar ter um público tão turistificado. “Se o fizéssemos, acho que não teríamos portugueses. Seria automaticamente tudo comprado por turistas com muita antecedência.”
Há 25 anos, quando a discoteca nasceu em Santa Apolónia, a ideia do precursor Manuel Reis tinha muito a ver com um certo “presságio” para a zona oriental da cidade, que, segundo Fradique, não se chegou a concretizar. “Foi uma das grandes frustrações do Manuel, porque ele sempre imaginou que, ali à volta, em Xabregas, iriam acontecer coisas. Começaram a acontecer há alguns anos, mas o que está a acontecer é uma mega gentrificação, aquilo está-se a encaminhar para ter mais e mais casas de luxo… Haverá casas ótimas em condomínios, mas acaba por não haver propriamente uma vida.”
No caso da VALSA, espaço cultural inclusivo que fica perto da Graça, Marina Ginde, uma das responsáveis, diz que não tem havido, no geral, uma mudança no perfil do público. “Até agora não temos sentido muito os efeitos da gentrificação.” O principal desafio tem sido o aumento generalizado dos custos, mas com a componente de restauração que também têm conseguem “ter uma melhor margem de manobra para manter a cultura acessível a todes”. Uma das medidas que implementaram para aumentar as receitas mas manter este acesso facilitado à programação foi o lançamento do Cartão Amigos da VALSA. Por 15 euros, uma pessoa tem acesso livre durante todo o ano, à semelhança de um cartão de sócio. De resto, têm-se esforçado por manter os preços que praticam como dantes.
Pedro Fradique argumenta que devemos olhar para os exemplos de outras grandes cidades europeias que já lidam com estas problemáticas há mais tempo, mas acredita ser urgente uma “estratégia diferente” que salvaguarde o “pulsar próprio” da cidade: “passa primeiramente por habitação, porque se as pessoas não estiverem cá…”. Por seu lado, Pedro Moreira, responsável pela EGEAC, admite uma certa “lentidão” e que “faltam políticas de acompanhamento”, frisando que tem de haver limitações ao turismo. E diz que a taxa turística da cidade, que tem vindo a crescer, tem de ser aplicada através de estudos que concluam o que é necessário colmatar face ao desgaste provocado pelo turismo.
“Há um interesse em fazer as coisas bem, mas depende sempre dos interesses de quem tem poder”, diz Cristina Vale Pires, acrescentando: “A noite não deixou de estar na moda, mas há o risco de pinkwashing ou de se perfumar (para tudo parecer bem no fim). Os safer spaces começam no exercício do que é que se pretende para o espaço e daquilo que este quer representar.” Jordi Nofre acrescenta que, para o futuro, é preciso pensar igualmente na transição ecológica urbana e na diversão noturna como bem comum e fonte de bem-estar socioemocional. Há muito por fazer e manter essa herança cultural implica uma constante atenção face ao outro. Aquele que nos chega, e aquele que recebe, que vive, que dança para, quiçá, mudar a sua vida.
English Version
Night-time was when revolutions were started, when established values were deconstrued, when those whom day-time had so often rendered invisible, asserted themselves. Some say it provides a way to signal life’s perpetual and unstoppable motion. When the sun sets, the night begins its vibrant journey and, enshrouded in darkness, brings out other faces, other voices and other bodies. So often associated with crime and deviant behaviour, the truth is that night-time is a driving force of culture and the economy, and often of change. So, ultimately, what does the night represent in the life of a city?
The day was 29 September 1998. LuxFrágil opened the doors of its dance floor for the first time. We were on the eve of Expo’98’s last day, when the capital’s currently famed night club made its debut, in a building that had previously housed a stowage firm. It started as an island stranded in a derelict part of town – to become a space of artistic dialogue and profusion, amidst a grey field of ditches opened for an industrialization that had been born and died there. In the 25 years since its appearance on the map, we can look back on the path that, as it turned out, would definitely change Lisbon’s nightlife. The major creators, musicians, DJs, designers and artists passed through there, bringing new colour to a city and a country that delayed opening up to the world.
“What are your plans for tonight? I’m going out dancing, to chat, and perhaps change my life.” From Lisbon to the world, Lux was – and still is – the kind of place that could never be described as “just another club”. Legacies apart, today it stands for everything nightlife can bring to a city. It is also a case for reflection on the legacy we want to leave for the future, especially in an age so often dominated by purely economic rationales. And as we turn to the debate on the meaning of pure entertainment vs. real forms of cultural and artistic enjoyment, we must also touch upon the night-time, whose cultural legacy is what most clearly stands out, in the past as in the present.
Over the last couple of decades, many cities have started adopting a proactive approach to the relation with their nightlives. Starting with Amsterdam, Netherlands, and Berlin, Germany, many cities have appointed so-called “night-mayors”, or even committees entrusted with the “co-participated governance” of urban nightlife. Lisbon created its own Lisbon Nightlife Commission, LXNIGHTS, an informal group of academic research on the Lisbon nightlife and the urban transformations it brings about, comprising researchers from Universidade Nova de Lisboa and ISCTE-Universidade de Lisboa, who also created the Lisbon-based Observatory of Night-time Leisure Activities. Jordi Nofre, LXNIGHTS coordinator, explains that the project intends to study several vectors of Lisbon’s nightlife, from urban management and territorial segregation, to the impact of tourism.
Unlike Porto, where the council instituted the denominated “Movida” to manage and regulate the city’s nightlife through the local government authorities, LXNIGHTS was never formally designated or supported by the Council. To this day, the Portuguese capital lacks an entity to take charge of night-time activity.
“In this domain, Lisbon is a singular case, because unlike many other cities, nightlife is understood by the political sphere as a cash-making machine. Generally speaking, the income provided by locations such as the Cais do Sodré and Bairro Alto districts is used to collect revenues that are later reinvested in other, more populated areas of the city.”
Mass tourism and property interests, Nofre explains, are nowadays prioritized over night-time’s cultural heritage and the creation of inclusive spaces with communitarian rationales that serve as meeting places. He also points out that “Nightlife is viewed chiefly through an economical lens, but contrary to Porto, which sought to strike a balance between the different actors representing the sector, Lisbon opted for a touristic nightlife culture that does not foster a common ground and which has destroyed its multicultural vector.”
In any case, the fact is that nightlife policies have entered the lexicon of major cities, not only due to the economic dynamics generated by its activities, backed by tourism, but also due to the more symbolic value it carries. Before considering the night-time and its legacy, we must figure out how to gauge it, in order to understand its real impact, as demonstrated by the Creative Footprint reports, developed by the consultant VibeLab, which have carried out a study of night-time based on cities such as Stockholm, Tokyo or New York. Dani Ribas, a sociologist and director of Sonar Cultural Consultants, starts by explaining the importance of measuring that impact:
“it creates cultural symbols, a spirit of community and an embracing of diversity; it is often nightlife that contributes new forms of creativity and dialogue with the public space, and that’s why it should be taken into account when it comes to decision making”. Considering these premises, argues the researcher, first and foremost it is important that cities – and their governors – learn to reflect upon their nightlife, as a means to “protect those places which, in some way, have already become a historical heritage”.
In the same line, Jordi Nofre upholds that “the financial surplus generated by tourism, enables the Lisbon Council to create a mechanism for the management of nightlife areas and to devise programming that is not solely conceived for tourists who are attracted to in the Portuguese capital as some sort of thematic park for which they have paid a free-pass, do-everything-you-like, ticket.”
This is also the method for separating, through appropriate programming, pure entertainment venues from sites that imply cultural and creative exercises. Many of these sites and the legacy embedded in them, provide a path to many artists’ collective memories. DIDI, a Lisbon-based transdisciplinary artist of Brazilian origin, refers to “nightlife and celebration as a political act”, a welcoming place for black, trans or queer bodies through which different art forms provide an expression for the creation of visibility. It is part of a narrative shared by many others. But let us go back in time, to Ancient Greece, or even pre-Hellenic cities, where the night was hailed as a time for celebration and greater freedom. An encounter where many prevailing values were put up for reflection and, somehow, deconstrued. Night leisure activities are nothing new, but there are reasons why they have become important in this day and age.
Cristina Vale Pires, a researcher from the Faculty of Education and Psychology – Universidade Católica Portuguesa and a member of Kosmicare, can think of two right away: “on the one hand, night’s democratisation as a socialising space in the so-called 24-hour cities; on the other, the feminization of those spaces”. For decades, the night was hyper-masculinized, the researcher reminds us, pointing gentlemen’s clubs and nightclubs as evidence, underlining that
Night-time as a performative space: Where do these bodies fit?
The experience is carried through time. Yura, a trans, non-binary DJ and producer claims to have found in nightlife, more than a space for experimentation, a laboratory “where each person becomes their own study object”.
“Whether intentionally or not, we are dealing with something ritualistic, where some people act and others dance. I see nightlife as a place for experimenting and where one is allowed to be divergent.”
Some historical trajectories are nevertheless relevant to the identities that are welcomed. Just as feminine bodies, black, queer or trans bodies found oppression in the night-time, but also a way to breakthrough and change. This was a decades-long path – we just have to think back to the 1969 Stonewall revolt. “When we look to the past, we find the ballroom culture, to begin with, which was excluded and marginalised, but allowed us to dream. That is our heritage: night-time is when we can dream of other possible futures”, Yura stresses. “For me, it all starts with the idea that, at night, I could kiss whomever I wanted without suffering repression, and it afforded me that contact with sexuality, plus the fact that due to my connection to music, it allowed me to see the first DJs who shaped me as an artist.”
While in the case of large cities, several night-time locations have gradually conquered their relevance and legacy, even today they are often put into question. Due to the shortcomings of their programming or the rigidity of their management. Currently the “independent scene” has gained ground vis a vis clubs, explains Yura. “These kinds of spaces enjoy a different type of freedom and enable to create that aspect of a community unencumbered by such authoritarian and repressive rules.” They are safer spaces, albeit often put aside or relegated to the cities’ outer limits. “That is also happening in Lisbon, but it happened on other European cities.”
Founded in 2016, Kosmicare is a non-profit organisation that “works to transform nightlife culture through comprehensive humanist policies and interventions and based on scientific evidence”. Its essential premise is centered on the idea of creating safer spaces. “It is currently a “hot concept” and we run the risk of emptying its meaning, as we’ve already seen happen to the notion of sustainability.”
There is a risk of creating a salvationist-type complex, where the creation of safety rules can have an adverse effect, limiting the freedom these spaces could enjoy:
Currently, Kosmicare is investing precisely in working with venues to create protocols and establish their own regulations. “It will always depend on the vision and intentions of those who manage such a space, and this aspect will be paramount to the future of the concept.”
What kind of legacy does nightlife carry with it?
Nightlife can assume many forms. Naturally, some night spots can be associated with the more commercial side of entertainment while others act as cultural and political agents. The fact is that the nightlife sector is often connoted with a variety of prejudices. In many cases, it is culture we should be primarily discussing.
That was the case of Germany, for instance, when in 2021 the federal government decided to regard nightclubs as cultural institutions, akin to theatres, museums or music venues. Previously, they had been included in the category of “entertainment spaces”, along with casinos or game rooms. This was not merely a shift in the symbolic paradigm, having a real and substantial impact. As cultural institutions, clubs (which in the capital, Berlin, constitute the main tourist attractions and represent an essential part of the city’s identity) became less vulnerable to gentrification and real estate speculation processes.
For example, they became eligible for tax benefits and were protected from problems related with noise regulation –so people who move to the vicinity of a club, bearing in mind they should be aware of its existence, won’t have grounds to complain about the noise, provided the club complies with existing regulations. These are some of the measures that were introduced and have helped to strengthen the otherwise vulnerable condition of night venues. As a country with such a strong clubbing culture, Germany is in the front line of problem-solving in this domain and its efforts may influence other territories to follow suit.
In 2023, the Belgian capital, Brussels, recognized its nightlife as “a living cultural heritage”. In this case, it did not imply changes to the legal framework, but according to the Brussels Night Council it can work as a significant symbolic landmark. “Acknowledging our nightlife enables us to document its cultural and social vocation, to expand our knowledge on the subject and then to promote a sustainable integration of this phenomenon in the urban nightscape”, declared the association upon the official announcement of the measure.
So too Amsterdam, in the Netherlands, has taken steps in the same direction. In 2023, the city launched a Night Culture Implementation Agenda 2023-2026, allocating public resources to the sustainability of its nightlife, turning ideas into concrete measures. One million euros were allocated to supporting a series of programmes aimed at night venues, namely to define new nightlife areas in the city, at a time when many clubs are under threat from gentrification processes. Moreover, a pilot project was launched to create a fund for the mitigation of noise-related problems, helping to increase the life-span of spaces that may need to do renovation work to improve sound isolation.
In Bologna, Italy, an effort has been made to define a night plan for the city involving the active participation of its citizens. The process began in 2023 with a public survey aimed at collecting information on the “needs, priorities and expectations” of the residents regarding their city’s nightlife, addressing issues such as mobility, sharing of public spaces, noise impacts, cultural offer, dignity of work and health-related problems. This information will serve as a starting point to design a strategic and political plan for the city’s nightlife.
In Portugal, the pandemic revealed the vulnerabilities of a sector strongly marked by precarious work. The creation of Circuito, an association of music venues with their own music programming, dates back to that period. For Pedro Fradique, one of the persons responsible for the management of LuxFrágil, it is crucial to distinguish who does what, even if all spaces alike comprise the heritage of the city’s nightlife. “If we consider Cais do Sodré, for instance, there’s no doubt Musicbox and Lounge are completely different from most venues around them, even if all of them also sell drinks, have loud music and feature a DJ. It’s not all the same thing and I don’t think that opening hours in themselves confer them a special status”, he argues, emphasising that the distinction between these clubs results from their “continued programming work”. “When it comes to public support, it’s important to make this distinction. Those spaces that invest in programming or even in crossing different artforms deserve a different framework. These are the clubs that serve as a trial balloon. On the other hand we have the discos featuring VIP areas and stuff like that, which have nothing cultural about them.”
During the pandemic, Circuito’s Lisbon venues – LuxFrágil, Musicbox, B.Leza, Casa Capitão, Casa Independente, Damas, Hot Clube de Portugal, Lounge, RCA Club, Titanic Sur Mer, Valsa and Village Underground – received a financial package from the Council to support their programmes. “Today, our work is to compile information that in some way can serve to draw attention to these venues’ specificities.” Pedro Fradique acknowledges the persistence of a bias towards nightlife activities, albeit significant progress made over the years.
José Diogo Vinagre, in charge of Ministerium Club, a venue in Lisbon’s Terreiro do Paço Square featuring an electronic music programme, has a similar opinion. On the one hand, he believes that nightlife’s negative reputation has been gradually “demystified”. “Ten years ago it was very hard to talk with partners about our club and our festival Lisb-on, but today those barriers have come down.” On the other hand, we find the persistence of a certain “conservatism” that stems from linking nightlife to “alcohol and drug consumption and their association with some degree of violence and crime”. “Our personnel have employment contracts with generous incomes, and even so their friends and family find it hard to accept the validity of what they do. If they can stand working nights for so long, they must be on something and they’re surely up to no good…If they can pay their bills only with what they make at night, it’s probably because they have another illegal source of income. That’s not at all what we do.”
José Diogo Vinagre stresses that clubs, if “well managed”, do not need state support. But he believes they should receive greater recognition as cultural sites. “And it’s normal that other countries are well ahead of us. Especially in Germany, electronic music was super important after the Berlin Wall came down, it has historical significance. We have to view music and clubbing, not just as entertainment, but also as political acts.”
Tourism, gentrification and the transformation of cities
All over Europe, especially in major capitals, the effects of tourism have led to a gentrification that often threatens the cultural legacy of cities’ nightlives. It may not be easy to strike a balance between culture and tourism, although many important figures believe that the two sectors can walk hand in hand, among whom EGEAC’s president, Pedro Moreira, who is also a member of the Lisbon Tourism Association.
In the famous Cais do Sodré district’s Pink Street, historically known for its circuit of small bars and clubs, Tokyo, Jamaica and Europa had to close their doors and find a new space when the building owners sold their fractions to a company that intends to convert it into a hostel. This is just one of several recent examples in the city; right now, institutions such as Arroz Estúdios, Casa Independente, Sirigaita and Sociedade Musical Ordem e Progresso (SMOP) are other cultural spaces that will probably soon have to close down and end their activity. All of these have been notified to evict their premises and cannot find an alternative solution, especially considering the escalating prices being practised in the Portuguese capital.
In Lisbon, for instance, the Council supports those associations and collectives responsible for organising each district’s popular parade for the city holiday. But there are no concrete measures to save the cultural spaces currently threatened by gentrification processes – once again contrasting with Berlin, which in 2012 had already created a fund of one million euros to help protect the city’s night scene in the light of the challenges posed n by real estate development.
On the other hand, the expulsion of local audiences from the city centre, the reduced purchasing power of said audiences and a certain amount of overcrowding caused by tourist audiences, have all had an effect on nightlife venues.
“It would be foolish to say that we have not benefited from tourism, but Ministerium, for instance, has also been harmed by Lisbon’s gentrification”, José Diogo Vinagre explains. “Nobody wants to go to a club full of tourists, everyone likes to go where the locals hang out. And when the locals are pushed out of the city and are paying absurd sums for habitation, their priority is obviously not going out clubbing. And that is already noticeable”.
Lux Frágil doesn’t presale tickets except when hosting concerts, precisely to avoid an over-touristified audience. “If we were to do so, I think our Portuguese audience would disappear. The tickets would immediately be bought out by tourists, way in advance.”
25 years ago, when the club was born in Santa Apolónia, the idea of its visionary, Manuel Reis, had a lot to do with a certain “premonition” regarding the city’s east-end, which according to Fradique, never came into existence. “It was one of Manuel’s greatest frustrations, since he had imagined that a lot of things were about to happen in the surrounding area of Xabregas. A few years ago, things did begin to happen, but they came in the form of a super-gentrification, and the area is on its way to have more and more luxury houses… There will be fabulous houses in private condos, but no actual city life to speak of.”
In the case of VALSA, an inclusive cultural space located near the Graça district, Marina Ginde, one of its managers, claims that generally speaking, there has been a shift in the audience’s profile. “So far we haven’t felt the effects of gentrification very severely.” The main challenge has been the general rise of costs, but the catering side of their business gives them “greater leeway to maintain culture accessible to all”. One of the measures they implemented to increase revenues while maintaining easier access to their programming was to launch a special Friends of VALSA Pass. For 15 euros, a person has free access all year round, just like a membership card. Aside from that, they have made an effort to keep prices almost unchanged.
Pedro Fradique arguments that we must look at the examples set by other major European cities that have been dealing with these problems longer, but believes it is urgent to try “a different strategy” that may safeguard the city’s “own pulse”: “It has to start with habitation, because without people living there…” In his part, Pedro Moreira, chair of EGEAC, admits to a certain “slowness” and “lack of follow-up policies”, stressing that some limits must be imposed on tourism. Moreira also affirms that the city’s tourist tax, which has been increasing, must be calculated through studies that determine the needs according to the strain caused by tourism.
/ Translation by Diogo Freitas Costa