Texto e Fotografias

Hugo Barros

Hugo Barros, nascido e criado na Amadora, é fotógrafo e videomaker. Tem um projecto em desenvolvimento sobre os bairros sociais na periferia de Lisboa, ancorado numa série de imagens e que se completa com uma curta-metragem de cariz documental, intitulada 2610 – Bairro Zambujal, disponível no YouTube.

7:00. Bairro do Casal da Boba, Amadora. Acordo e acompanho o trajecto da minha mãe para mais um dia de trabalho. Numa luta constante para combater as nossas dificuldades, para sustentar uma casa, ela tem de se sujeitar a ter dois empregos. Ainda assim, está sempre com um sorriso na cara, o que faz dela uma inspiração para mim. Vejo este trajecto diariamente.

Sigo a minha viagem para a zona onde fui criado, o Bairro do Zambujal, um bairro da Amadora com ligação à Buraca/ Cova da Moura e ao Bairro da Boavista. Foi lá que cresci. Nesse percurso, paro sempre em casa da minha avó, na qual me desenvolvi – acredito que as nossas casas tornam-nos nas pessoas que somos, que vimos a ser. É o nosso universo que depois se perfaz com as nossas visões e vivências de rua, as aprendizagens com amigos e conhecidos, num complemento que nos guia. Na rua, as convivências acontecem lado a lado com a partilha de conhecimento, com experiências, com brincadeiras. Isto é o que procuro mostrar nos meus registos.

Tudo começou com uma proposta que recebi no período em que estava a tirar uma licenciatura em fotografia e cujo objectivo era criar uma revista digital. Pensei em regressar às vivências da minha infância, que se perderam quando me mudei para o Casal da Boba, onde entrei numa etapa da minha vida em que praticava desporto e estudava em Lisboa, sem tempo para ir regularmente ao Zambujal. O projecto foi desenvolvendo-se até chegar ao ponto em que decidi fazer um protótipo de um photobook, intitulado 2610 (o código postal do Bairro do Zambujal). Este livro retrata parte das convivências quotidianas que iam acontecendo nesse período, iniciado em 2016, desde festas a produções musicais e visuais. Procurei acompanhar vidas diferentes, mas todas elas unidas por um pacto que revela aquilo que é uma comunidade. Quis mostrar também o seu lado mais privado, ou íntimo, fotografando os interiores das casas que frequentava. Este projecto, que ainda não terminou, tem uma componente muito forte de retratos espontâneos: o facto de eu já ter uma ligação com as pessoas fez com que a minha presença não as deixasse desconfortáveis. Muitas vezes, quando voltava ao bairro sem a câmara, perguntavam-me sobre ela.

Depois de todo esse registo fotográfico, senti que tinha de existir algo mais. Decidi pegar em algumas filmagens que tinha feito do nosso quotidiano. Queria que se ouvisse o ambiente. A partir dessas filmagens surgiu o documentário 2610 – Bairro Zambujal. Nele, em 22 minutos, tentei representar o dia-a-dia dos moradores, introduzindo entrevistas em que se fala sobre situações a que estamos sujeitos por sermos de onde nos colocaram. Muitas vezes, sentimo-nos postos de parte e olhados de lado por quem não habita nestes bairros. O documentário apresenta essa questão negativa, mas, ao mesmo tempo, procura quebrar esse olhar construído pela sociedade, convidando as pessoas que não vivem essa realidade a quererem, de alguma forma, fazer parte dela.

Nos bairros sociais há jovens com grande talento que passam despercebidos e que, tantas vezes, se sentem oprimidos por quem está de fora. Falando concretamente do Zambujal, o bairro é habitado por diferentes etnias – as pessoas misturam-se, partilham as suas culturas, os seus costumes, as suas ancestralidades, e a língua praticada entre a maioria é o crioulo. Nós dizemos: “Li eh nós zona, Zambujal, eh sabi” (“Aqui é a nossa zona, Zambujal, e gostamos”). Há leis, há dialectos, há hinos, há cumprimentos, há ideias, há códigos inconfundíveis.

Entretanto, contei-vos tudo. Agora é hora de voltar para casa. São 21:00. Apanho o comboio na Damaia e saio na estação da Amadora. Lá, percebo que ainda faltam alguns minutos para chegar o autocarro. Então caminho até à Boba, dez minutos de passada larga. Chego a casa, já são quase 22:00, a porta está trancada. Batem as 23:30 e oiço a minha mãe chegar. Cumprimentamo-nos e vamos descansar, porque amanhã é dia.

English Version
Essay and Photographies

Hugo Barros

Hugo Barros, nascido e criado na Amadora, é fotógrafo e videomaker. Tem um projecto em desenvolvimento sobre os bairros sociais na periferia de Lisboa, ancorado numa série de imagens e que se completa com uma curta-metragem de cariz documental, intitulada 2610 – Bairro Zambujal, disponível no YouTube.

7 a.m.. Neighbourhood of Casal da Boba, Amadora. I wake up and follow my mother’s journey to another day of work. In a constant struggle to overcome the difficulties in our life, to support our family, she must work two jobs. Still, she always has a smile on her face, making her an inspiration to me. I watch this journey daily.

I follow my way to the place where I was raised, the neighbourhood of Zambujal, a neighbourhood in Amadora connecting to the neighbourhoods of Buraca/Cova da Moura and Boavista. That’s where I grew up. When I’m on this route, I always stop at my grandmother’s house, where I grew to become the person I am – I believe the houses we live in make us who we are and who we come to be. It is our universe then expanding with our visions and street life, the learning experiences we get from friends and buddies, like added guiding features. In the street, companionship happens side by side with knowledge sharing, experiences, jokes. This is what I try to show in my work.

It all started while I was studying for a degree in photography and received a proposal to create a digital magazine. I thought of going back to my childhood experiences that were lost after I moved to Casal da Boba. During this period, I was practising sports and studying in Lisbon, leaving me little time to go to Zambujal. The project developed to a point where I decided to turn it into a photobook prototype, entitled 2610 (Zambujal’s postal code). From parties to musical and visual productions, the book portrays part of the neighbourhood’s daily sociabilities during a period started in 2016. I tried to follow different lives, still bound by a pact that unveils what is the essence of a community. I also wanted to portray a more private or intimate side by capturing the interiors of the houses I visited. This project, which is yet to be finished, has a significant element of spontaneous portraits: that I had a previous connection with the community made them feel comfortable with my presence. Often, when returning to the neighbourhood without my camera, people would ask me about it.

After all the photos taken, I felt there had to be something more. I went through some footage I had taken of our daily life. I wanted the background to be heard. This footage resulted in the documentary 2610 – Bairro Zambujal. I tried to represent the daily life of the neighbourhood in 22 minutes, including interviews with residents talking about experiences we live just because we come from a place that was forced upon us. Often, we feel left out. We feel looked down upon by those who don’t live here. The documentary tackles this negative issue, while tries to break down this socially built perception by inviting people foreigner to this reality to somehow want to be part of it.

There are young people in social neighbourhoods with exceptional talent who go unnoticed and often feel oppressed by the outside world. Speaking specifically of Zambujal, the neighbourhood is a place where people from different ethnic groups come together – people mix and interact, share their cultures, their customs, their ancestries, and the language spoken by the majority is Creole. We say: “Li eh nós zona, Zambujal, eh sabi” (“This is our territory, Zambujal, and we like it”). There are laws, dialects, chants, greetings, ideas, unmistakable codes.

In the meantime, I’ve told you everything. Now it’s time to go home. It’s 9 pm. I take the train in Damaia and get off at Amadora station. Here I realise I still have to wait before the bus arrives. So I walk to Casal da Boba, ten minutes at a steady pace. I arrive home, it’s almost 10 p.m., the door is locked. It’s 11:30 p.m. and I hear my mother arriving. We greet each other and go to bed because tomorrow life continues.

Leave a Reply