Eamonn Forde is a music business journalist who has been writing about all areas of the music industry for the past two decades. Prior to this, he worked in academia, completing his PhD in 2001. He is a regular contributor to Music Ally, Music Business Worldwide, Synchtank, The Guardian and more.. He was twice named Music Business Writer Of The Year at the Record Of The Day Awards. He has published two industry books – The Final Days Of EMI: Selling The Pig in 2019 and Leaving The Building: The Lucrative Afterlife Of Music Estates in 2021. He is currently working on his third book.
O impacto da utilização de Running Up That Hill na série Stranger Things foi tão grande e tão sem precedentes que até Kate Bush ficou surpreendida, referindo-se a ele como «bastante chocante», numa entrevista inédita ao programa Women’s Hour, transmitido pela BBC Radio 4. A inclusão do single no gigantesco fenómeno da Netflix deu a Bush o seu primeiro êxito no Reino Unido em 44 anos, e colocou Running Up That Hill no top 10 de vendas dos EUA, 37 anos depois do seu primeiro lançamento.
«Pelo menos, nos próximos 10 anos, vamos continuar a ouvir falar disto nas reuniões de marketing como um ponto de referência», diz Jonathan Palmer da editora BMG, sobre o que inevitavelmente será denominado como o efeito Stranger Things.
Palmer é o vice-presidente sénior de sincronização criativa da BMG, terminologia da indústria da música para alguém que trabalha com “syncs”, processo em que uma canção – muitas vezes um clássico que é preparado para ser redescoberto por uma geração mais jovem – é colocada numa série de televisão, num filme, num anúncio, num jogo de vídeo ou num trailer de um filme. Recorde-se como o tema Something In the Way, dos Nirvana, se tornou um marco no filme The Batman no início deste ano, ou como o rock suave dos anos 70 dominou os filmes da saga Guardians of the Galaxy. Agora, graças a Stranger Things, estas sincronizações estão a tornar-se, mais do que nunca, uma parte maior da indústria da música.
Palmer adverte que Running Up That Hill é «um pouco unicórnio – a maioria dos meus colegas diria que é algo que acontece uma vez numa década». Mas Bush não é uma excepção. Algo semelhante está a acontecer a Master of Puppets dos Metallica, tema lançado em 1986: desde que foi incluído na final de Stranger Things no início de Julho, entrou no top 40 do Reino Unido.
«É difícil prever quão poderosa será uma sincronização», diz Tim Miles, vice-presidente sénior de sincronização para o Reino Unido e Europa da Warner Music Group (WMG), editora que distribui a música de Bush (a cantora detém os seus próprios direitos de gravação e de edição). Mas «como sabíamos que o tema ia ser muito utilizado [em Stranger Things], contávamos que este fosse um grande momento», acrescenta.
A proliferação de plataformas de streaming, como a Netflix, a Disney+ e a Amazon Prime Video, está a abrir novas oportunidades extraordinárias para a sincronização musical, especialmente para títulos de catálogos, como Running Up That Hill. Actualmente, equipas de sincronização e supervisores musicais consideram-nas plataformas prioritárias por duas razões: extraordinário alcance e verbas gigantescas.
Connie Farr é fundadora da empresa de supervisão musical ThinkSync e trabalhou em filmes e séries televisivas como Rocks, After Love, Creation Stories e The Essex Serpent. Segundo ela, se uma plataforma de streaming está envolvida, editoras e gravadoras vão pedir honorários significativamente superiores pela utilização de canções dos seus catálogos.
«Plataformas como a Amazon e a Netflix ganharam muito dinheiro durante a pandemia, e eu sinto que a dinâmica mudou um pouco, com os detentores dos direitos a dizerem: “Certo, tu podes pagar um valor decente por isto.”», diz Farr. «Mesmo que a Netflix ainda não tenha avançado com o projeto, os titulares dos direitos continuam a orçamentar com isso em mente.»
O poder das syncs é duplo: por um lado, geram uma taxa pela utilização de uma música, por outro oferecem um trampolim promocional para temas que, de outra forma, podiam ser ignorados. São usadas há décadas – basta lembrar o filme Say Anything e a cena em que John Cusack levanta um rádio boobbox a tocar In Your Eyes de Peter Gabriel –, mas hoje em dia, a diferença é que, devido ao streaming, os programas de televisão são instantaneamente globais em vez de regionais. «Isto não tem precedentes», diz Miles, «e é por isso que estamos a ter este incrível efeito com a música, quando ela é bem usada».
A actividade de marketing das companhias discográficas pode ser planeada e coordenada em torno de uma importante sincronização, já que os serviços de streaming como o Spotify e a Apple Music são pressionados para irem atrás de um tema. O novo factor imprevisível é o TikTok: partes de produções audiovisuais podem ser descontextualizadas e esquartejadas numa variedade de memes que podem tornar-se virais, colocando à disposição um poderoso acelerador. Isto é algo que as empresas discográficas não conseguem antecipar ou manipular.
«As sincronizações de TV e cinema continuam a ter influência sobre a cultura, mas agora as pessoas têm a capacidade de pegar nesta e levá-la para outro lado”, explica Tom Gallacher, director sénior de marketing e digital da Rhino UK, parte da WMG. «Se olharmos para o TikTok, o hashtag #runningupthathill tem quase um bilião de visualizações e mais de dois milhões de criações usando a música».
Atualmente, há determinados períodos musicais que são tendência em programas de televisão, e Stranger Things, ambientado nos anos 80, é tanto uma causa como um sintoma. «Muitos dos guiões que recebo agora procuram música dos anos 80, reflectindo a idade dos realizadores», diz Farr, observando que conforme a música está na moda, as taxas de sincronização aumentam. «Eu sei que vai ser muito caro licenciar».
Em parte, esta tendência também se reflecte nos catálogos de canções que estão a ser comprados por empresas como a Hipgnosis, a BMG, a Universal Music Group, a Sony Music Entertainment, a WMG e a Primary Wave. Artistas como Bob Dylan, Bruce Springsteen e vários elementos dos Fleetwood Mac venderam, nos últimos anos, os direitos das suas canções a estas empresas por montantes únicos, permitindo a estes grupos obterem receitas futuras a partir dos reportórios adquiridos – e as sincronizações são uma das principais fontes dessas receitas. Estas empresas irão lançar agressivamente a música que adquiriram, inclinando-se fortemente para os anos 60 a 80, para obterem o maior retorno do seu investimento possível, o mais rapidamente possível.
Ao adquirirem um catálogo, estas empresas destacam o sucesso dos seus departamentos de sincronização como prova de que podem proactivamente conseguir sincronizações (designadas sincronizações adquiridas), em vez de simplesmente aprovarem um pedido de sincronização (uma sincronização não programada).
Também têm de ter cuidado para que o catálogo de uma obra não se reduza a uma ou duas faixas. As equipas de sincronização estão, portanto, a trabalhar activamente com música menos óbvia a um nível inferior, aquilo a que, num catálogo, Palmer chama de «direitos de autor de segundo nível». Farr diz que, por vezes, recebe um pedido para um tema específico, mas depois pode oferecer uma alternativa sobre a qual os criadores do projecto nunca tinham pensado: por exemplo, sugerindo o tema Picture Perfect, de Little Simz, para o drama Rocks de Sarah Gavron, em vez do muito mais caro e mais óbvio God’s Plan, de Drake. «Optam muitas vezes pela jóia escondida porque é única», acrescenta. «Ando sempre à procura destes catálogos, dos que não vão ser astronómicos».
Ocasionalmente, as agências licenciam estas músicas menos conhecidas de forma voluntária, possivelmente por um valor reduzido, pois percebem que as vastas oportunidades promocionais ultrapassam de longe as taxas únicas de sincronização. «Sem dúvida, vejo isso a acontecer com as grandes companhias discográficas», diz Farr. «Se mostrarmos interesse em algo menos conhecido, vão de facto cooperar para chegar lá, porque na realidade é útil para elas».
O streaming de televisão permite que faixas de catálogos cheguem a telespectadores mais jovens de uma forma que, até há uma década, era inconcebível. «Os verões costumavam ser sobre ir ao cinema e falar sobre os grandes filmes que estreavam, mas o streaming veio mudar essa dinâmica», argumenta Miles. «Agora, estamos a falar sobre as grandes séries de televisão. Acho que para as audiências mais jovens, é muito mais natural ouvirem uma canção numa série porque, para elas, faz sentido culturalmente.»
Um bónus adicional, hoje em dia, é o facto de uma sincronização inesperadamente bem-sucedida poder ser monetizada de forma instantânea, através de serviços de streaming de música, evitando o atraso histórico no envio do produto para as lojas de discos. Isto significa que, apesar de agora o streaming de televisão ser um importante catalisador para o êxito de um catálogo, não é o único. As músicas serão constantemente adicionadas às próprias playlists das plataformas de streaming de música, organizadas por época e género musical, enquanto as tendências no TikTok são monitorizadas de perto, de forma que quando uma música antiga de repente ganha sucesso possa ser capitalizada. O exemplo mais óbvio é Dreams by Fleetwood Mac, que se tornou viral em 2020.
A tripla sorte de conseguir uma sincronização televisiva disseminada em serviços de streaming de música e no TikTok é algo que, no entanto, não pode ser orquestrado, apenas capitalizado. Para todos os melhores planos de departamentos de sincronização, trata-se muitas vezes menos de estratégia e mais de acaso. «Já faço isto há tanto tempo que me resignei a não compreender totalmente onde está a alquimia, como funciona e como realmente se interliga a um nível maior.”, diz Palmer.
English Version
That syncing feeling: how stranger things supercharged the music industry
The impact of Running Up That Hill being used in Stranger Things was so great and so unprecedented that even Kate Bush was taken aback, calling it “quite shocking really” in a rare interview with BBC Radio 4’s Women’s Hour. The song’s placement in the gigantically popular Netflix show gave Bush her first UK No 1 in 44 years and first ever US Top 10 hit, 37 years after Running Up That Hill was first released.
“We’ll be hearing about it for the next 10 years at least, in terms of a reference point in marketing meetings,” says Jonathan Palmer of record label and music publisher BMG, about what will inevitably be called the Stranger Things effect.
Palmer is BMG’s senior vice president of creative synchronisation, music industry terminology for someone who looks after “syncs”, where a song – often a classic that is primed for rediscovery by a younger generation – is placed into a TV show, film, advert, video game or movie trailer. Think of how Nirvana’s Something In the Way was a cornerstone of The Batman earlier this year, or corny 70s soft rock dominated the Guardians of the Galaxy movies, and thanks to Stranger Things these syncs are becoming a bigger part of the music industry than ever.
Palmer cautions that Running Up That Hill is “a bit of a unicorn – most of my colleagues would admit that’s a once-in-a-decade thing,” but Bush is not a total outlier. Something similar is happening to Metallica’s Master of Puppets from 1986: since being used in Stranger Things’ finale earlier this month, it is currently climbing the Top 40 in the UK.
“It’s hard to predict how powerful a sync will be,” says Tim Miles, SVP of sync for UK and Europe at Warner Music Group, who distribute Bush’s music (she owns her own recorded and publishing rights). But, he says, “we did know it was going to be used a lot [in Stranger Things] and you could tell this was going to be a big moment.”
The proliferation of streaming platforms such as Netflix, Disney+ and Amazon Prime Video is unlocking enormous new opportunities for music sync, especially for catalogue titles such as Running Up That Hill. They are today’s priority platforms for sync teams and music supervisors for two reasons: enormous reach, and enormous budgets.
Connie Farr is founder of music supervision company ThinkSync and has worked on films and shows such as Rocks, After Love, Creation Stories and The Essex Serpent. She says that if a streaming platform is involved, music publishers and record labels will ask for exponentially greater fees to use songs in their catalogues.
“The likes of Amazon and Netflix made a lot of money during the pandemic and I feel like the dynamic has changed a little bit, with the rights holders going, ‘Right, you can afford to pay a proper fee for this,’” she says. “Even if the show has not been picked up by Netflix yet, the rights holders are still quoting with that in mind.”
Syncs’ power is twofold: they generate a fee for the music use and they also provide a promotional springboard for music that might have otherwise been overlooked. They have been used for decades – remember John Cusack holding up a boombox playing Peter Gabriel’s In Your Eyes in Say Anything? – but the difference today is that due to streaming, TV shows are immediately global instead of regional. “That’s unprecedented,” says Miles, “and that’s why we’re having this incredible effect with music when it’s used well.”
Record company marketing activity can be planned and coordinated around a major sync, as streaming services such as Spotify and Apple Music are lobbied to get behind a track. The new wildcard is TikTok: clips from shows can be decontextualised and chopped up into a variety of memes that may go viral, providing a powerful accelerant. This is something record companies cannot anticipate or manipulate.
“TV and film syncs are still pushing culture, but now people have got the ability to take that culture and go elsewhere with it,” explains Tom Gallacher, senior director of digital and marketing at Rhino UK, part of WMG. “If you look on TikTok, the #runningupthathill hashtag has got almost a billion views and there have been over two million creations using the sound.”
Particular musical eras are currently hot in TV shows, and Stranger Things, set in the 1980s, is both cause and symptom. “A lot of the scripts I get now are looking for music from the 1980s, reflecting the age of the directors,” says Farr, noting that when music is in vogue, the sync fees rise accordingly. “I know it’s going to be so expensive to clear.”
This trend is also partly reflected in the song catalogues being bought up by companies such as Hipgnosis, BMG, Universal Music Group, Sony Music Entertainment, WMG and Primary Wave. Artists such as Bob Dylan, Bruce Springsteen and various members of Fleetwood Mac have sold the rights to their songs to these companies for a cash lump sum in recent years, allowing the companies to accrue future revenue from them – and syncs are a major source of that revenue. These companies will be aggressively pitching the music they have acquired, heavily leaning towards the 1960s to the 1980s, to get the biggest and swiftest return on their investment.
These companies highlight the success of their sync departments when buying a catalogue, as proof that they can proactively land syncs (what are called procured syncs) rather than merely approving a sync request when it falls in their lap (a non-procured sync).
They also have to be careful that the catalogue of one act does not get reduced to one or two tracks. Sync teams are therefore actively working less obvious music one level down, what Palmer calls the “second-tier copyrights” in a catalogue. Farr says she sometimes gets a request for a specific track but then may offer an alternative that the show’s creators never thought of: for example, suggesting Little Simz’ Picture Perfect for Sarah Gavron drama Rocks instead of the much pricier and more obvious God’s Plan by Drake. “They’ll often go with the hidden gem because it’s unique,” she says. “I’m always trying to look for those catalogues, the ones that aren’t going to be astronomical.”
Occasionally music companies willingly license these lesser-known songs, perhaps for a reduced rate, because they see the wider promotional opportunities far outweighing one-off sync fees. “I definitely find that with the major labels,” says Farr. “If you show interest in something lesser known, they really will be cooperative in order to get it into something because it’s really helpful to them.”
Streamed TV allows catalogue tracks to find their way to younger viewers in ways that were inconceivable even a decade ago. “Summers used to be about going to the cinema and talking about the big movies that have come out, but streaming has changed that dynamic,” argues Miles. “Now we’re talking about the big TV shows. I feel it’s a lot more natural for a younger audience to hear a song on a TV show because it’s culturally relevant to them.”
An added bonus today is that an unexpectedly successful sync can be monetised instantly through streaming music services, sidestepping the historical lag in shipping product to record shops. This means that while streaming TV is now a huge catalyst for catalogue success, it is not the only one. Tracks will be constantly pitched to music streaming services’ own era- and genre-focused playlists while trends on TikTok are closely monitored so that when an old track suddenly takes off it can be capitalised on – the most obvious example being Dreams by Fleetwood Mac, which went viral in 2020.
The triple bonanza of a TV sync spiralling into music streaming services and TikTok is something that cannot be orchestrated though, only capitalised upon. For all the best laid plans of sync departments, it is often less about strategy and more about serendipity. “I’ve been doing this long enough,” says Palmer, “that I have resigned myself to not completely understanding where the alchemy is, how it works and how it really connects on a bigger level.”