Vincent Carry is the CEO of Arty Farty, a European and independent non-profit organisation based in Lyon (France), and the director of Nuits Sonores Festival.
Aimee Cliff is a freelance music and culture journalist based in London. She writes for The Guardian, Pitchfork, Dazed, and Vice.
Como permanecer independente – ou seja, como encontrar uma forma de gozar de autonomia financeira mantendo, ao mesmo tempo, total liberdade editorial e cultural – face ao enfraquecimento das políticas públicas, à ameaça do autoritarismo e ao crescente domínio dos gigantes do entretenimento, da produção de conteúdos e do controlo de dados?
A performance ao vivo, a qual se pensava estar mais bem protegida desses gigantes graças à sua natureza prática, está hoje a viver um fenómeno de concentração mais agudo do que aquele a que a indústria da comunicação social foi submetida nos últimos 20 anos.
Multinacionais como a Live Nation, a AEG e a Vivendi estão, constantemente, a adquirir salas de concertos, empresas de agenciamento e gestão, editoras discográficas e festivais. Através de uma estratégia de racionalização e de integração que assegura a sua presença em todas as fases da cadeia da indústria da música – da produção artística à organização de digressões, da gestão de salas de concertos à venda de bilhetes – estas multinacionais estão rapidamente a posicionar-se como dominantes oligopólios.
Só a produtora Live Nation factura mais de 10,3 mil milhões de dólares (47 vezes mais do que o seu principal concorrente francês, de acordo com o jornal Les Echos), realiza 30 000 espectáculos por ano em 40 países diferentes, é proprietária de cerca de 100 festivais e vendeu 500 milhões de bilhetes em 2017. Além disso, a Live Nation tem a oportunidade de rentabilizar os dados recebidos através dessas actividades, ou mesmo de os usar para influenciar, de forma artificial, os algoritmos e os preços dos bilhetes à custa das audiências, como demonstrou o escândalo de bilheteira que envolveu os Metallica. Nos Estados Unidos, mais de 30% dos bilhetes comprados para concertos e eventos desportivos são vendidos por subsidiárias da Live Nation, que inclusive produziu a digressão de Michelle Obama.
Estes monstros do capitalismo cultural têm poder suficiente para impor os seus próprios artistas em eventos selecionados (ou impedir que actuem noutros locais) e para inflacionar os seus honorários, de forma a que se tornem inacessíveis para o sector independente. Um artista da Live Nation pode fazer 140 espectáculos por ano, ao mesmo tempo que os alinhamentos dos festivais se estão a homogeneizar em todo o mundo. Lenta e seguramente, há uma cultura universal ultradominante que se está a estabelecer à custa da diversidade e da emergência artística. Devido aos limitados recursos disponíveis, ou por vezes à falta de visão política, representantes eleitos que ambicionam um novo recinto, ou uma sala de concertos de maiores dimensões, estão, cada vez mais, a negociar com estas multinacionais. Além disso, a rede de concertos e de salas independentes em França e na Europa (que, na maioria das vezes, existem graças a apoios públicos) está a começar a sucumbir a estes grandes grupos, que depois lhes impõem a sua estética “pré-embalada”.
Além da pressão que resulta deste fenómeno de concentração e de homogeneização, o sector cultural tem ainda de lidar com o peso da aproximação das empresas GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft), impondo os seus algoritmos e, por extensão, a sua visão do mundo (uma visão que parece, cada vez mais, tolerar a censura, como demonstram as actividades da Netflix na Arábia Saudita e do Facebook na China). O desenvolvimento progressivo deste monstro de duas cabeças – a posse de dados e o poder dos algoritmos – ameaça ter um efeito tesoura sem precedentes na diversidade criativa. Será que as instituições públicas, lideradas pela União Europeia, conseguirão combater esta tendência e encorajar a resistência dos agentes independentes em prol da preservação da diversidade.
Reconhecer o sector independente
Por toda a Europa, há uma necessidade urgente em reconhecer e defender uma cultura independente que assegure o interesse colectivo dos cidadãos. Que lute pelo ambiente, que promova a diversidade, que seja capaz de colmatar fossos sociais, territoriais e geracionais e que revitalize a democracia. Uma cultura partilhada e aberta ao mundo, que dê atenção aos seus jovens e às suas diferentes áreas de acção, e que produza uma narrativa comum – por comum, leia-se europeia – capaz de responder aos desafios impostos pelas mudanças de amanhã.
Este sector representa associações, salas de concertos, novos media, empresas de edição de música, editoras discográficas e incubadoras. É terra a terra e cosmopolita. É a cultura dos bares, dos clubes e dos festivais, grandes e pequenos. É a cultura da transformação, da inovação, da vanguarda, do hibridismo, da emergência e da extinção de barreiras. Para fortalecer este sector independente, em primeiro lugar, temos de parar de o ignorar. Temos de o ouvir, respeitar e perceber o seu papel essencial e o seu potencial de transformação social em tempos de crise. Isto significa legitimá-lo nos diálogos com as autoridades locais, com os ministros da Cultura e nos programas europeus. Agora, mais do que nunca, o sector independente precisa urgentemente de ser equipado com os meios para sobreviver: a sua fragilidade não tem precedentes e existe um receio legítimo de que uma larga maioria dos seus actores desapareça ou seja absorvida nos próximos dois anos.
Ser forte para ser independente
Para sermos independentes e produtivos, sejamos fortes! Que a “independência sem poder” se torne uma coisa do passado nos sectores da cultura e dos media contemporâneos. Contrariamente ao romanticismo da cultura indie – frágil e desligada do mundo real -, ser-se independente em 2020 significa ter uma enorme capacidade de acção, compreender e ter um perfeito domínio do próprio contexto e envolvente.
Independência requer conhecimento e competência: conhecer a legislação, os regulamentos, as autoridades locais, os métodos de financiamento.
Exige equipamento, instalações renovadas para assistência e formação, capacitação tecnológica e tecnocrática, assim como ferramentas de monitorização. Mas exige também o reforço de modelos económicos, a prevenção da instabilidade, a valorização profissional e a capacidade de contratar e promover a melhoria das condições sociais. Por último, implica criar redes a nível local, europeu e internacional, implica a partilha entre pares e um compromisso inabalável para juntar stakeholders e iniciativas para, finalmente, construir esta grande e importante rede horizontal de cultura europeia.
Para sobreviver e evoluir, aceitar os valores e servir o interesse colectivo, esta geração de protagonistas do sector da música independente tem de provar a sua capacidade para se manter unida e mostrar que existe uma maneira de resistir ao fatalismo e restaurar um significado para a Europa.
/ Tradução por Marta Gamito
English Version
The struggle for the independence of culture in Europe: this is only the beginning
How to remain independent – to find a way to enjoy financial autonomy while retaining full editorial and cultural freedom – in the face of dwindling public policies, the threat of authoritarianism and the growing dominance of entertainment, content and data giants?
Live performance, which was thought to be better protected from the voracity of those giants thanks to its “hands-on” nature, is currently experiencing an even more acute concentration than the one undergone by the media industry over the past 20 years.
Multinationals like Live Nation, AEG and Vivendi are acquiring venues, tour companies, management structures, labels and festivals relentlessly. Through a strategy of rationalization and integration that ensures their presence at every level of the music industry chain – from artist production to tour organisation, from venue management to ticketing – these multinationals are quickly turning into hegemonic oligopolies.
Live Nation alone turns over $10.3 billion annually (47 times more than its leading French competitor, according to the newspaper Les Echos), runs 30,000 shows a year in 40 different countries, owns a hundred or so festivals, and sold 500 million tickets in 2017. Moreover, Live Nation has the opportunity to monetise the data received from those activities or even use it to artificially influence algorithms and ticket prices at the expense of the audience, as revealed by the Metallica ticketing scandal. In the United States, over 30% of tickets purchased for concerts and sports events are sold by subsidiaries of Live Nation, which had even orchestrated Michelle Obama’s speaking tour.
These behemoths of cultural capitalism have enough clout to impose their own artists on selected events (or prevent them from playing elsewhere) and to inflate their fees, so that they become inaccessible to the independent sector. A Live Nation’s artist may perform 140 dates a year, while festival line-ups are becoming homogenised around the world. Slowly but surely, an ultra-dominant mainstream culture is taking root at the expense of artistic diversity and emergence. Due to limited resources, or sometimes to a lack of political vision, elected officials who want a new arena or a larger venue are increasingly cutting deals with these multinationals. Also, the network of independent concerts and show venues criss-crossing France and Europe (more often than not thanks to the support of public authorities) is beginning to sell out to these large groups, who then imposes its own pre-packaged aesthetics.
Besides the pressure resulting from this phenomenon of concentration, the cultural sector has also the GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple and Microsoft) companies bearing down on it, imposing their algorithms and, by extension, their vision of the world (a vision that increasingly seems to condone censorship, as demonstrated by the activities of Netflix in Saudi Arabia and Facebook in China). The progressive development of this two-headed beast – data ownership and the power of algorithms – threatens to have an unprecedented scissor effect on creative diversity. Will public authorities, led by the European Union, succeed in fighting back and encouraging the resistance of independent entities as a way of preserving diversity?
Recognising the independent sector
All across Europe, there is an urgent need to recognise and defend independent culture, one that upholds the collective interest of citizens, fights for the environment, fosters diversity, is capable of bridging social, territorial and generational divides and of revitalising democracy. A culture that is shared and open to the world, pays attention to its young people and its different domains, and produces a common narrative – by common, read European – capable of responding to the challenges posed by the changes of tomorrow.
This sector represents associations, music venues, new media, publishers, labels and incubators. It is close to the ground and cosmopolitan. It is the culture of bars, clubs and festivals, large and small. It is the culture of transformation, of innovation, of the underground, of hybridity, of emergence and removal of barriers. To strengthen this independent sector, we must, first of all, stop ignoring it. We have to listen to it, respect it, and understand its essential role and potential to transform societies in crisis. This means legitimising it in our dialogues with local authorities, ministers of culture and European programmes. Now, more than ever, the independent sector urgently needs to be equipped with the means to survive: its fragility is unprecedented and there is a legitimate fear that a large majority of these actors will disappear or be swallowed up within the next two years.
Be strong to be independent
To be independent and useful, let’s be strong! Let “independence without power” become a thing of the past in the contemporary culture and media sector. Contrary to the romanticism of indie culture – fragile and detached from the real world –, being independent in 2020 is all about having a great capacity for action, an understanding and a perfect mastery of one’s context and environment.
Independence requires knowledge and know-how: knowing the legislation, the regulations, the local authorities, the financing methods.
It demands equipment, renewed assistance and training facilities, technological and technocritical capacity-building as well as monitoring tools, but also the strengthening of economic models, avoidance of instability, professional valorization and the ability to both hire and promote social upgrading. Lastly, it implies establishing networks at local, European and international levels, peer-to-peer sharing and an unwavering commitment to bring together stakeholders and initiatives in order to finally build this great horizontal and relevant network of European culture.
In order to survive and grow, embrace its values and serve the collective interest, this generation of key players in the independent music sector needs to prove its capacity to stand united, and show that there is a way to resist fatalism and restore a meaning to Europe.