Não faltam, à nossa volta, marcas identitárias de uma produção musical que se confunde com a dinâmica e a energia de uma cidade. Sabemos do que falamos quando nos referimos ao jazz de Nova Orleães, ao afrobeat de Lagos, ao punk de Londres, aos blues eléctricos de Chicago, à morna do Mindelo, às rebetika de Atenas e do Pireu, ao trance de Goa e ao rock psicadélico da Anatólia (troquemos, por momentos, as localidades por regiões), ao tango de Buenos Aires, ao kuduro de Luanda, ao kwaito do Soweto, ao samba do Rio de Janeiro, ao flamenco de Sevilha, ao fado de Lisboa ou de Coimbra. Em qualquer um destes casos (e em tantos outros), a música espelha, alimenta-se e influencia contextos sociais, políticos e históricos, não é surda àquilo que as cidades (e as suas periferias) lhes dizem e ajuda a criar um ambiente cultural distinto.
Claro que em qualquer um dos exemplos acima referidos, esse género musical é apenas a superfície. Lisboa, como é evidente, não é só fado – embora seja o fado que, por enquanto, projecta com maior clareza um perfil musical da cidade no exterior. Mas as cidades soam tanto àquilo que produzem quanto àquilo que recebem, soam tanto àquilo que lhes associamos quanto àquilo que integram. Da mesma forma que as cidades se transformam e mudam devido aos mais diversos fenómenos, também a criação musical e o tecido da música ao vivo acompanham esses abanões, sejam eles definidos por vagas de imigração e migração, situações de gentrificação e recomposição social, cenários de resistência e de luta, movimentos de recuperação de línguas ou de tradições locais.
A globalização, no entanto, pode ter a tendência para achatar tudo isto, apesar das muitas oportunidades que oferece. Iñigo Sánchez, investigador e professor no Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música e Dança da Universidade Nova, chegou a Lisboa em 2011, procedente de Barcelona – cujo modelo de desenvolvimento terá “inspirado” Lisboa –, e admite que a Lisboa de 2020 não é a mesma que então conheceu. E cita a tese do géografo espanhol Francesc Muñoz para sustentar que “há uma certa homogeneização na forma como as cidades gerem as suas diferenças, o que faz com que todas pareçam iguais”. “Por isso, quando caminhamos hoje pela Baixa de Lisboa ou saímos à noite pelos bares da zona do Cais do Sodré temos a sensação de que poderíamos estar em qualquer cidade europeia.”
Só que não estamos. Estamos em Lisboa. E para que isso se faça sentir é importante perceber de que forma quem programa na cidade o faz neste contexto específico. Ali mesmo, no Cais do Sodré de que fala Iñigo, na zona da cidade com maior concentração de espaços em que a música (ao vivo ou gravada) é mais central na oferta cultural e de entretenimento, o Musicbox assume a “missão de representar a cidade junto de quem a visita e de querer ser bússola para quem nela reside”. Algo comum a todas as salas de concertos europeias “que se preocupem com aquilo que programam”, defende Pedro Azevedo, programador da casa.
“O Musicbox programa para Lisboa e procura ser pertinente, relevante e actual com uma grande diversidade de conteúdos, que tanto são um reflexo da cidade para quem a visita como um trendsetter para quem a habita”, diz Pedro Azevedo, programador do Musicbox.
Galgo © Ana Viotti
Essa postura é semelhante àquela que defende Sérgio Hydalgo, um pouco mais acima, na Galeria Zé dos Bois, em pleno Bairro Alto, ou Pedro Santos, na Culturgest, já longe dos principais circuitos de animação nocturna. Para Hydalgo, a ZDB programa “para Lisboa, sobretudo para quem a habita, mas também para uma população transitória”. No seu caso, concretiza, “estar no centro da cidade é uma vantagem pelos fluxos de pessoas” que por ali transitam, ainda que, por outro lado, “o Bairro Alto se assemelhe a um parque temático e a ZDB ao seu oásis cultural”.
A ideia de que se programa para a cidade e para quem nela vive parece óbvia, mas é mais complexa do que possa parecer – porque exige estar atento às transformações e às dinâmicas vivas de um lugar, percebendo tanto as correntes que emergem, antecipando aquelas que começam a borbulhar e reconhecendo as alterações demográficas forçadas, por exemplo, pelo abandono da população jovem dos centros urbanos devido ao aumento vertiginoso do custo de vista e, em particular, da pressão do mercado imobiliário. Tudo isto desencadeia respostas tão diferentes quanto as “noites de clubbing programadas para turistas, exclusivamente durante a semana” no Musicbox, ou o serviço educativo da ZDB, “essencial para o desenvolvimento de uma relação de proximidade com a comunidade local”, através de visitas guiadas a exposições, debates e workshops desenvolvidos com a comunidade escolar.
No caso do Musicbox, assume Pedro Azevedo, se não houvesse esta programação que não ignora o facto de a sala se encontrar num dos “epicentros do turismo de Lisboa” (de onde o Sabotage vai ser despejado entretanto) e da relevância económica que “o turismo impõe na cidade e na actividade nocturna em particular”, não seria possível assegurar a abertura de portas todas as noites “porque simplesmente não há público nacional disponível para sair a qualquer dia da semana”.
Yves Tumor © Vera Marmelo
Para Álvaro Covões, da Everything Is New, promotora que apresenta espectáculos em várias salas da cidade e é responsável pelo festival NOS Alive, “a cidade é também um elemento de captação”. “Claro que olhamos para a cidade na perspectiva da sua centralidade e da acessibilidade”, concede, referindo-se à posição geográfica no mapa português, mas também à teia de transportes que permite concentrar muita da sua actividade. Mas “muitas vezes são os artistas que querem tocar nas capitais, porque normalmente é aí que estão as editoras discográficas, os meios de comunicação social.” Ainda assim, diz, “Portugal é um país pequeno”, pelo que a sua lógica de programação não assume uma visão tão local. “A nossa preocupação para ter público num país pequeno é, obviamente, captar público de fora – seja de Bragança, de Faro, da Madeira ou dos Açores. Mas em Lisboa, quando se está a hora e meia de Cáceres, Badajoz ou Mérida, cidades [espanholas] com 200 mil habitantes e mais próximas do que muitas cidades portuguesas, temos uma venda expressiva de bilhetes. A lógica de programação, uma vez que a música é global, é até uma lógica mais transfronteiriça do que propriamente uma lógica nacional.”
A relação com os festivais
Sendo, na verdade, comum aos programadores um pensamento em função de todos quantos se cruzam com a cidade, habitantes ou visitantes, há em casos como o da Culturgest uma procura em “criar o seu espaço, distante dos outros”, frisa Pedro Santos. “No caso particular da música, a programação inventa o seu espaço na oferta existente na cidade porque a Culturgest não programa isolada das restantes salas e agendas.” Mesmo consciente de um posicionamento que corresponde a uma aposta em “muitos géneros de música”, mas com um foco “na criação contemporânea, preferencialmente experimental, arriscada, propondo novas ideias sobre géneros e tendências”, a certeza de que o faz na companhia de “outras salas, pequenas ou grandes, com outras programações, idênticas ou muito diferentes”, é fundamental para que Pedro Santos defina o rumo da Culturgest.
Esta ideia de olhar à volta para perceber onde intervir é essencial na definição do papel de cada programador na cidade. Para Pedro Santos, e depois da experiência à frente da música no Maria Matos – cujo encerramento e consequente vazio foi depois compensado pela reabertura do Teatro do Bairro Alto, atento a música exploratória com dimensão de culto –, a Culturgest revela-se a oportunidade para desenvolver o trabalhado “construído no Maria Matos, adaptando-o às exigências da nova escala da sala”. O que implica criar um espaço tanto para “artistas mais reconhecidos que precisam de estar mais perto do público, quanto para promessas que necessitam de melhores meios para darem um salto”.
Esse salto é também uma das preocupações de Sérgio Hydalgo na ZDB. Se o público da casa “tem crescido regularmente ao longo dos anos” a partir de uma programação que “procura ser plural, transversal, inclusiva e desafiadora”, mas que não esconde um apurado filtro na promoção de “actos artísticos transgressores e exploratórios”, a verdade é que esse aumento de público tem também sido acompanhado pelo maior reconhecimento de alguns artistas, nacionais e internacionais, que se apresentam muitas vezes na sala da Rua da Barroca numa fase precoce de carreira ou de afirmação. Daí que se tenha tornado cada vez mais habitual a ZDB passar a programar fora do seu próprio espaço, não prescindindo de continuar a acompanhar o percurso de alguns artistas e, assim, “manter laços de criação, apoio e produção iniciados há anos com músicos hoje consagrados, testando a capacidade de crescimento, de profissionalismo e de renovação da ZDB”. O caso mais recente é o de Angel Olsen, apresentada pela ZDB no Teatro Capitólio, por onde já passara Julia Holter, juntando-se a exemplos anteriores como Grouper no Maria Matos (em parceria com essa sala, num exemplo de confluência de sensibilidades) ou Thurston Moore no Teatro da Trindade.
O obstáculo maior a acompanhar este movimento de maior reconhecimento, garante Pedro Azevedo, é o poderio financeiro dos festivais. “Sinto a missão e a obrigação de fazer crescer o perfil mediático e o following dos artistas emergentes que passam por cá”, reconhece, “mas isso torna-se muito complexo quando um festival decide comprar esses mesmos artistas pelo triplo do seu valor real e ainda impõe uma cláusula de exclusividade. Não compreendo como é que uma sala para 280 pessoas (ou até mesmo para 500) é capaz de roubar público a um festival de dezenas de milhares.”
Esta é, aliás, uma queixa comum entre programadores. Rui Pedro Dâmaso, da associação cultural OUT.RA, sediada no Barreiro e produtora do OUT.Fest, acredita que “o grande problema dos festivais é o efeito de ‘seca’ que proporcionam”. O OUT.Fest é, obviamente, um festival de música exploratória, mas Dâmaso refere-se aqui a “festivais para dezenas de milhares de pessoas que se dão ao luxo de pagar cachets principescos por artistas que nos seus cartazes são meras notas de rodapé, que tocam a horas impróprias e em contextos nos antípodas do ideal para apresentar a sua música. E a verdade é que acabam por impedir que alguns desses artistas se apresentem, por exemplo, em festivais ou salas mais pequenos, ideais para a sua música.”
Para Afonso Simões, da produtora Filho Único, o problema prende-se com um certo “capitalismo cultural” comparável à lógica de um centro comercial.
“As pessoas passaram a preferir ir a um festival onde têm dezenas de concertos e podem consumir tudo de uma só vez, ainda que não vejam o concerto todo ou o vejam em condições mais precárias, do que ir a concertos individuais de artistas – refiro-me aos mais pequenos que não têm tantas garantias de público.”
Já para Álvaro Covões, responsável pela programação do NOS Alive, o contexto de festival é fulcral para apostar em artistas que são mostrados numa altura em que “ninguém compraria bilhetes para os ver” em apresentações em nome próprio. E exemplifica com as primeiras apresentações de Florence and the Machine ou Gossip em Portugal, mas que acontece com muitos outros casos que servem para apresentar ou medir o pulso à sua relação com o público português. “Apostamos muitas vezes em artistas que o grande público não conhece, mas não somos bruxos nem somos os únicos a fazê-lo”, diz. “Se olharmos para muitas das bandas médias/pequenas que estão em todos os principais festivais da Europa, isso acontece também porque funcionamos em indústria: existe uma relação próxima com as editoras, mas mais próxima ainda com agentes e managers.”
Equivale isto a dizer que o trabalho da Everything Is New corresponde também “a um fenómeno de trabalho em equipa”, em que muitas opiniões são ouvidas, permitindo que algumas escolhas sejam concertadas e revelem uma aposta simultânea em várias frentes para permitir a “explosão” de um determinado nome emergente. Ainda assim, garante Covões, “quem tem de arriscar são os programadores”.
Centro e periferia
A pertinência da construção de uma identidade defendida por Pedro Santos na Culturgest acaba por ter um exemplo mais claro em salas como o B.Leza Clube. Se espaços como a Culturgest, a ZDB, o Musicbox ou as Damas estão atentos à criação nacional e internacional de vários fôlegos e escalas, mas com uma diversidade que tanto pode privilegiar a música experimental como correntes alternativas que vão do pop-rock à cumbia, dos cantautores desalinhados a grupos de jazz de vanguarda ou música improvisada, do rap crioulo à electrónica minimal, o B.Leza escolheu, desde que abriu portas em 1995, dedicar-se à música africana ao vivo, todos os dias da semana. E foi isso que, de início, diferenciou a sala baptizada com o nome de uma das lendas da música cabo-verdiana, acredita Madalena Saudade e Silva, uma das gerentes e programadoras da casa.
O facto de ser necessário montar uma banda com músicos que assegurassem essa actividade diária acabou por juntar um grupo que animava as noites com temas clássicos, mas que aproveitava para também apresentar os seus originais. E foi assim que, dada a localização original no Largo do Conde Barão, numa área com muita população imigrante, o B.Leza se foi tornando “uma plataforma de encontros de músicos de Cabo Verde, de Angola e da Guiné, entre aqueles que viviam cá ou que estavam de passagem”, nota Madalena. “Tinham ali um palco certo, onde podiam encontrar um público, porque sabiam que havia pessoas que iam ouvi-los e percebê-los.”
No caso do B.Leza, há 25 anos “funcionou não só como oportunidade de pessoas diferentes se encontrarem, como ajudou também a desmistificar uma série de preconceitos entre portugueses e africanos”. “Havia uma energia que nos dizia que, uma vez próximas, as pessoas deixam de ser desconhecidas, e têm oportunidade de perceber e de valorizar aquilo que os une, começando pela música e pela dança e acabando numa conversa.” A imagem de uma Lisboa mestiça encontrou ali um abrigo e um espelho da cidade então ainda pouco olhado. Com a mudança posterior dessa localização para a actual sala no Cais da Ribeira Nova, o B.Leza manteve o seu fiel público dos “30 aos 70”, chamado por música africana, composto por muitos portugueses que, cada vez mais, não têm qualquer relação com África. E inaugurou, em 2018, uma residência mensal da editora Enchufada, que trouxe um público “radicalmente diferente”.
Essa chegada ao centro de uma música electrónica vinda dos subúrbios lisboetas e de uma nova geração de criadores musicais reivindicadora da sua narrativa como parte de Lisboa, uma cidade com uma marca claramente africana, foi reconhecida antes de 2018 pelas programações do Musicbox, da ZDB, da discoteca Lux, das Damas e da Filho Único. No caso da Filho Único, promotora que se confunde em parte com a editora Príncipe (responsável pela edição e divulgação de uma nova geração de DJs e produtores afrodescendentes como Nídia ou DJ Marfox, entretanto internacionalizados), é na periferia que “há trabalho a fazer”. Mas, como diz André Ferreira, elemento comum às duas estruturas, “por periferia entenda-se tudo o que está nas margens do centro, do pronto e acabado”.
Nascida “em grande medida da experiência Filho Único”, em 2011, a Príncipe acabou por assumir-se como veículo fundamental para uma música que florescia demasiado próxima e demasiado ignorada pelo circuito de música ao vivo lisboeta. “Desde o início que houve uma procura e descoberta online movidas por uma natural inquietude por novidade e diferença, para além do que nos era próximo e acessível”, lembra André. O encontro fortuito com Marfox, em 2007, num evento da Fundação Calouste Gulbenkian intitulado Nove Bairros Novos Sons, com vários artistas ligados às comunidades, marcou um “antes e depois” na vida das duas estruturas. “[Marfox] teve o papel pioneiro e generoso de nos apresentar ao que estava para além do arco-íris em termos de cultura musical nos subúrbios e da diáspora africana de expressão portuguesa.”
DJ Narciso © Ana Viotti
Sem uma sala própria a seu cargo, a Filho Único mantém há vários anos uma residência mensal no bar Lounge, programa as Noites de Verão no Museu do Chiado e no Complexo dos Coruchéus, em colaboração com a empresa municipal EGEAC, é co-autora da programação do OUT.Fest, em conjunto com a OUT.RA, e estabeleceu, mais recentemente, uma parceria com as Damas, onde procura colocar alguns nomes internacionais. As Damas, bar situado no bairro da Graça, fora dos circuitos mais habituais da música ao vivo, é um espaço sem curador, dizem Clara Metais e Alexandra Vidal, as suas responsáveis, justificando assim uma “vivência multidisciplinar e aberta a diversas fontes”. Além da Filho Único, as Damas abrem também as portas, com frequência, a produtoras independentes como a Pointlist ou a Maternidade. Com a Maternidade (agência ligada a artistas como Filipe Sambado, Vaiapraia ou Aurora Pinho) admitem uma relação quase umbilical: “cresceram juntas” e colaboram desde o primeiro dia, numa “relação muito fértil para os dois lados”.
Desde esse primeiro dia, as Damas assumem também “a preocupação de quebrar com barreiras psicológicas, quer no que diz respeito à dualidade centro-periferia”, quer no que se refere à obrigatoriedade de “uma casa focar-se num género musical”. Por isso mesmo, a sua programação vai, num só sopro, do novo pop-rock português ao rap crioulo e à música improvisada.
Se há um interesse claro em trazer a periferia para o centro e esbater barreiras entre música marginal e mainstream, a experiência de Rui Pedro Dâmaso com a OUT.RA é, por outro lado, a de quem programa a partir de uma condição periférica em relação a Lisboa. Esse lugar de programação implica “conhecer aquilo que é específico da dinâmica da cidade, que tem, ela mesma, várias especificidades em relação a outras zonas urbanas periféricas de Lisboa”, diz em relação ao seu trabalho no Barreiro, “mas sempre orientado para oferecer aquilo que acrescenta algo, e que até ignora, conscientemente, essa condição periférica para a tentar ultrapassar, minimizar, transformar e, no fundo, sublimar”.
Apesar das diferenças entre os vários “municípios-satélite” da Área Metropolitana de Lisboa, como lhes chama Dâmaso – rejeitando a expressão “Margem Sul” enquanto “conceito totalmente Lisboa-cêntrico” –, uma característica que os une é “o ‘recolher obrigatório’ oficioso em que se vive, uma vez que a partir de determinada hora cessam os transportes públicos, mesmo os de ligação a Lisboa” – e isso “tem óbvias implicações também na capacidade de atrair públicos não-locais”. Num sentido inverso, Rui Pedro Dâmaso não tem dúvidas: “estamos desde há um ano, ano e meio, a beneficiar da gentrificação” de Lisboa. “É algo que já há muito tempo antecipámos e até nos interrogámos várias vezes porque não aconteceu mais cedo.”
Consciente de que são razões menos positivas – o brutal aumento das rendas – a empurrar para fora de Lisboa “as classes economicamente mais precárias”, incluindo a classe artística, este movimento do centro para a periferia tem levado ao “surgimento de gente nova que, de alguma forma, pode vir a assegurar uma continuidade da dinâmica cultural do Barreiro”. Ainda que a gentrificação comece já a fazer-se sentir também no Barreiro.
A par da gentrificação, “a turistificação é apenas o rosto mais visível de questões que são estruturais e que apontam a modelos de desenvolvimento urbano nesta era do turbocapitalismo”, argumenta o investigador Iñigo Sánchez. “No caso de Lisboa, a abertura ao turismo foi uma das principais saídas da crise financeira de 2008 e da posterior intervenção no país por parte da troika. Mas o aumento da actividade turística na cidade tem muito que ver também com a liberalização do mercado imobiliário, a entrada de capitais globais, um mercado de trabalho precário e políticas activas de promoção da cidade como a nova Barcelona, a nova Berlim ou a nova São Francisco.”
Em Lisboa, a especulação imobiliária é uma espada de Dâmocles a pender continuamente sobre as salas de espectáculos que não gozem de uma abastada e influente instituição por detrás. Clara e Alexandra, das Damas, falam de “uma preocupação diária” por não terem como “garantir a estada do negócio a longo prazo por um preço justo”.
Álvaro Covões – que planeia abrir uma nova sala no final de 2021 – queixa-se da carência de clubes em Lisboa e da falta aguda de “palcos capazes para 600 ou 700 pessoas que possam ser um princípio para começar a chegar ao grande público”. “Existem muito poucos na cidade, e com o [futuro] encerramento do Lisboa ao Vivo, onde fizemos uns dez ou doze espectáculos em 2019”, diz Covões, “teremos novas dificuldades. A especulação imobiliária rebenta com os teatros e com as salas de espectáculos.”
Por isso, ao mesmo tempo que não faltam programadores e gente a querer dar espaço a uma “realidade musical efervescente” (palavras das Damas), uma das maiores ameaças a uma oferta de música ao vivo diversa e capaz de garantir palcos para artistas desconhecidos e nomes de topo, dentro e fora dos festivais, é a de uma cidade obcecada com o turismo, correndo o risco de esquecer-se de se manter viva. E arriscando também achar que a banda sonora de Lisboa deve ser escutada em esplanadas e em sessões de fado de contrafacção, servido a seguir ao almoço como se fosse um copo de ginjinha, para encher roteiros de agências de viagens. Nunca a voz de Lisboa foi feita de tantos matizes e soou tão urgente. Mas é preciso fazer barulho para que a música não se torne ruído de fundo.
O som do turismo
Com o objectivo de tomar o pulso às dinâmicas musicais de Lisboa, o Instituto de Etnomusicologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa criou um projecto de investigação intitulado Sounds of Tourism (www.soundsoftourism.pt). Coordenado por Iñigo Sánchez, o projecto está interessado em “explorar a forma como o turismo contribui para uma certa ‘equalização sonora’ da cidade”. Quer isto dizer que identificou a turistificação de Lisboa como um objecto de estudo e uma lente a partir da qual investigar o papel desempenhado pela música, gravada e ao vivo, na reestruturação cultural de bairros urbanos apanhados na máquina trituradora do turismo de massas. “Nunca houve tanta presença de música no espaço público da cidade, mas ao mesmo tempo a minha sensação é a de que toda soa igual”, arrisca Sánchez. Daí que o Sounds of Tourism se proponha também, através de vários filtros que aplicará na investigação, a concluir se caminhamos para “a banalização e a homogeneização da diversidade sonora e musical de um território”, numa cidade que, só em 2018, recebeu mais de sete milhões de turistas. E levanta uma outra questão perniciosa: quem visita uma cidade, vai à procura daquilo que conhece e é familiar, ou de ser ‘assaltado’ pela diferença? E de que forma sabem as cidades, e as suas culturas, proteger-se contra este achatamento de referências globais?
All around us, there are numerous marks of identity of musical productions that are intertwined with the dynamics and energy of a city. We know what we mean when we refer to New Orleans jazz, Lagos afrobeat, London punk, Chicago electric blues, Mindelo morna, Athens and Piraeus rebetika, Goa trance and psychedelic rock from Anatolia (let’s change locations for regions, for a moment), tango from Buenos Aires, kuduro from Luanda, kwaito from Soweto, samba from Rio de Janeiro, flamenco from Seville all the way to the fado from Lisbon or Coimbra. In all of these cases (and many more), music mirrors, feeds and influences social, political and historical contexts. It is not deaf to what cities (and their peripheries) have to say and helps creating a distinct cultural environment.
Of course, in any of the examples mentioned above, the music genre is just the surface. Lisbon, of course, is not just fado – although it is fado that, so far, has been projecting abroad a musical profile of the city with greater clarity. But cities sound as much as like what they produce as to what they receive, they sound as much as like what we associate them with as to what they integrate. In the same way as cities are transformed and changed due to a wide range of phenomena, so do shake along with them both musical creation and the fabric of live music, whether defined by waves of immigration and migration, situations of gentrification and social reconfiguration, scenarios of resistance and struggle, movements to recover local traditions or languages.
Globalization, however, tends to flatten it all, despite the many opportunities it offers. Iñigo Sánchez, researcher and professor at the Institute of Ethnomusicology – Center for Music and Dance Studies at Universidade Nova, arrived in Lisbon in 2011, coming from Barcelona – which development model is said to have “inspired” Lisbon –, and admits that 2020 Lisbon is not the same as the one he knew then. And he quotes the thesis of the Spanish geographer Francesc Muñoz to sustain that “there is a certain homogenization in the way cities manage their differences, which makes them all look the same”. “Therefore, when we walk today through Lisbon’s downtown area or go out at night in the bars of Cais do Sodré, we have the feeling that we could be in any European city.”
Only we’re not. We are in Lisbon. And for this to be felt, it is important to understand how those in charge of music programming in the city work in this specific context. Right there, in Cais do Sodré, of which Iñigo speaks, in the area of the city with the highest concentration of venues where music (live or recorded) is a more central element in the cultural and entertainment offer, Musicbox takes on the “mission of representing the city along with those who visit it and acts as a compass for those who live there”. Something common to all European music venues “that care about what is being programmed”, defends Pedro Azevedo, the in-house booker.
“When programming in Lisbon, Musicbox seeks to be pertinent, relevant and up-to-date, with a wide range of content, which are as much a reflection of the city for those who visit it as a trendsetter for those who live there”, says Pedro Azevedo, Musicbox booker.
This stance is similar to the one advocated by Sérgio Hydalgo, a little further up, at Galeria Zé dos Bois (ZDB), in the heart of Bairro Alto, or Pedro Santos, at Culturgest, far from the main nightlife circuits. For Hydalgo, ZDB programs “for Lisbon, especially for those who live there, but also for a transient population”. In his case, he adds, “being in the city center is an advantage due to the flow of people” that passes through there, although, on the other hand, “Bairro Alto is similar to a theme park and ZDB to its cultural oasis”.
The idea that music agendas are set for the city and for those who live in it seems obvious, but it is more complex than it may seem – because it requires being attentive to the transformations and living dynamics of an area, understanding both the emerging currents, anticipating those that start to bubble up and recognizing the forced demographic changes, for example, those related to the young population leaving urban centers the due to the sharp increase in the cost of living and, in particular, the pressure of the real estate market. All this triggers responses as varied as “clubbing nights programmed for tourists, exclusively during the week” at Musicbox, or ZDB’s educational service, “essential to the development of a close relationship with the local community”, through exhibitions guided tours, debates and workshops developed with the school community.
In the case of Musicbox, Pedro Azevedo admits, if it wasn’t for this programming approach that takes into account the fact that the venue is located in one of “Lisbon’s tourism epicenters” (from where Sabotage will be evicted in the meantime) and the economic relevance that “tourism imposes on the city and nightlife in particular ”, it wouldn’t be possible to ensure the opening of doors every night“ because there is simply no national public available to go out any day of the week ”.
For Álvaro Covões, from Everything Is New, a promoter responsible for the NOS Alive festival and that presents shows in various music venues in the city, “the city is also an element of attraction”. “Of course, we look at the city from the perspective of its centrality and accessibility”, he concedes, referring to the geographical position on the Portuguese map, but also to the transport web that allows it to concentrate a large part of its activity. But “it is often the artists who want to play in the capitals, because it’s usually where the record labels, the media are.” Still, he says, “Portugal is a small country” so its programming logic does not take on such a local view. “Our concern for having an audience in a small country is, of course, attracting audiences from outside – whether from Bragança, Faro, Madeira or the Azores. But in Lisbon, when one is an hour and a half away from Cáceres, Badajoz or Mérida, [Spanish] cities with 200,000 inhabitants and closer than many Portuguese cities, we have an impressive sale of tickets. Since music is global, programming logic is more cross-border than national.”
The relationship with festivals
Although it is true that thinking in terms of all those who cross paths with the city – inhabitants or visitors – is common among bookers, there are cases like Culturgest’s that strive to “create your space, distant from others”, stresses Pedro Santos. “In the particular case of music, programming means inventing a space within the existing offer of the city because Culturgest does not set its agenda in isolation from other music venues and agendas.” Even though aware of a position committing to “many music genres”, but with a focus on “contemporary creation, preferably experimental, risky, proposing new ideas about genres and trends”, the certainty that there are “other music venues, small or large, with other programs, identical or very different” that is essential for Pedro Santos to set the direction of Culturgest.
This idea of looking around to understand where to intervene is essential in defining the role of each music booker in the city. For Pedro Santos, and after his experience at Maria Matos where he was in charge of music – which closure and subsequent emptiness were later compensated by the reopening of the Teatro do Bairro Alto, with a focus on exploratory music with a cult dimension – Culturgest has the opportunity to develop the work “built at Maria Matos, adapting it to the requirements of the new venue’s dimension”. This implies creating a space both for “more recognised artists who want to be closer to the public and for promising ones who need better means to make a leap forward”.
That leap is also one of Sérgio Hydalgo’s concerns at ZDB. If the audience “has grown regularly over the years” with a program that “seeks to be plural, transversal, inclusive and challenging”, but that does not hide a refined filter in the promotion of “transgressive and exploratory artistic performance”, the truth is that this increase in audience has also been accompanied by greater recognition of some artists, nationally and internationally, who often perform in Rua da Barroca music venue at an early stage of their career or notoriety. That is why it has become increasingly common for ZDB to start programming outside its own space, while continuing to follow the path of some artists and, thus, “maintaining the creation, support and production ties that were started years ago with musicians who are now established, testing ZDB’s capacity for growth, professionalism and renewal ”. The most recent case is that of Angel Olsen, presented by ZDB at Teatro Capitólio, where Julia Holter had already performed, which adds up to previous examples such as Grouper at Maria Matos (in partnership with this music venue, as an example of confluence of sensibilities) or Thurston Moore at the Teatro da Trindade.
The biggest obstacle to accompanying this movement of greater recognition, guarantees Pedro Azevedo, is the festivals’ financial power. “I feel that I have the mission and obligation to raise the media profile and the following rate of emerging artists who pass through here”, he acknowledges, “but this becomes very complex when a festival decides to book these same artists for three times their real value and still imposes an exclusivity clause. I don’t understand how a venue that has a capacity for 280 people (or even 500) can possibly steal audiences from a festival designed for tens of thousands of people”.
This is, incidentally, a common complaint among bookers. Rui Pedro Dâmaso, from the cultural association OUT.RA, based in Barreiro and producer of OUT.Fest, believes that “the biggest problem with festivals is the ‘drought’ effect they produce”. OUT.Fest is, of course, an exploratory music festival, but Dâmaso refers here to “festivals for tens of thousands of people who can afford to pay princely cachets for artists who are mere footnotes on their affiche, play at inappropriate times and present their music in contexts that are far from ideal. And the truth is that they end up forbidding some of these artists from performing, for example, in festivals or smaller venues that are ideal for their music”.
On the one hand, for Afonso Simões, from the independent structure Filho Único, the problem has to do with a certain “cultural capitalism” that can be compared to the logic of a shopping center.
“Increasingly, people prefer going to a festival where they can see dozens of concerts and consume everything at once, even if they don’t see the whole concert or see it in more precarious conditions, rather than going to concerts performed by individual artists – I mean those whose audience is less guaranteed.”
On another hand, for Álvaro Covões, responsible for NOS Alive programming, the context of a festival is crucial to put on stage artists who are performing at a time when “no one would buy tickets to see them” in shows in their own name. And he exemplifies with the first presentation of Florence and the Machine or Gossip in Portugal, but this happens with many other cases who want to present their music or measure their relationship with the Portuguese public. “We often book artists that the general public does not know, but we are not wizards nor are we the only ones to do it”, he says. “If we look at many of the medium/small bands that are in all the main festivals in Europe, this is also because we work as an industry: there is a close relationship with the labels, but an even closer one with agents and managers.”
This is to say that Everything Is New’s work also corresponds to “a teamwork phenomenon”, in which many opinions are heard, allowing some choices to be agreed upon, and reveals a simultaneous engagement on several fronts to allow the “explosion” of a given emerging name. Still, guarantees Covões, “the bookers are the ones taking risks”.
Center and periphery
The relevance of building an identity as defended by Pedro Santos at Culturgest is clearly exemplified in music venues such as B.Leza Clube. If venues like Culturgest, ZDB, Musicbox or Damas are attentive to national and international creations of varied breaths and scales, with a diversity that can favor experimental music as well as alternative currents ranging from pop-rock to cumbia, from misaligned singer-songwriters to vanguard jazz groups or improvised music, from Creole rap to minimal electronic music, B.Leza has chosen, since it opened its doors in 1995, to dedicate itself to live African music, every day of the week. From the very start, that was what differentiated the venue, named after one of the legends of Cape Verdean music, believes Madalena Saudade e Silva, one of the in-house managers and bookers.
The fact that it was necessary to form a band with musicians able to ensure daily performances ended up bringing together a group that played classic themes in the evenings, but that also took the opportunity to present their originals. And that was how, given the original location in Largo do Conde Barão, in an area with a lot of immigrant population, B.Leza became “a meeting platform for musicians from Cape Verde, Angola and Guinea, among those who were living here or just passing through, ”notes Madalena. “A stage was guaranteed for them here. They could find an audience and they knew that there were people who would listen and understand them.”
In the case of B.Leza, 25 years ago “it worked not only as an opportunity for different people to meet up, but also helped to demystify a series of prejudices between Portuguese and Africans”. “There was an energy that told us that once people are close, they are no longer strangers, and have the opportunity to understand and value what unites them, starting with music and dancing and ending in a conversation.” The image of a mixed-race Lisbon found there a shelter and a reflection of the city very few would look at. With the later change of location to the current venue in Cais da Ribeira Nova, B.Leza kept its faithful audience: individuals from “30 to 70”, moved by African music, composed of many Portuguese people who, increasingly, have no relationship whatsoever with Africa. And, in 2018, a monthly residency for Enchufada label was inaugurated, which brought a “radically different” audience.
The arrival to the center of Lisbon’s suburbs electronic music and a new generation of music creators claiming their narrative as being part of Lisbon, a city with a clear African brand, was reflected before 2018 in the programming of ZDB, Musicbox, Lux club, Damas and Filho Único. In the case of Filho Único, a promoter that has partly merged with the Príncipe record label (responsible for editing and promoting a new generation of DJs and Afro-descendant producers such as Nídia or DJ Marfox, who since then have been internationally recognised), it is in the periphery that “there is work to be done ”. But, as André Ferreira says, a common element to both structures, “by the periphery we understand everything that is on the center’s margins, on the fringe of the ready and done”.
Born “to a great extent from the Filho Único experience”, in 2011, Príncipe ended up identifying itself as a fundamental vehicle for music that flourished too close-by and was utterly ignored by the Lisbon live music circuit. “From the beginning, there was an online search and discovery driven by a natural excitement for novelty and difference, beyond what was close and accessible to us”, recalls André. The chance encounter with Marfox, in 2007, at an event of the Calouste Gulbenkian Foundation entitled Nove Bairros Novos Sons, with several artists linked to the communities, marked a “before and an after” in the lives of the two structures. “[Marfox] took on the pioneering and generous role to introduce us to what was beyond the rainbow in terms of the suburbs’ and the Portuguese-speaking African diaspora’s musical culture.”
Without a venue of its own, Filho Único has had a monthly residency at the Lounge bar for several years, is responsible for programming Noites de Verão at the Museu do Chiado and the Complexo dos Coruchéus, in collaboration with the municipal company EGEAC, coauthors the program of OUT.Fest, together with OUT.RA, and more recently established a partnership with Damas, where it seeks to include some international names. Damas, a bar located in the Graça neighborhood, outside the most common circuits of live music, is a location without a curator, say Clara Metais and Alexandra Vidal, the managers, thus justifying a “multidisciplinary experience open to different sources”. In addition to Filho Único, Damas also frequently opens their doors to independent producers such as Pointlist or Maternidade. With Maternidade (agency linked to artists like Filipe Sambado, Vaiapraia or Aurora Pinho), they have an almost umbilical relationship: “they grew up together” and have collaborated from the first day, in a “very fertile relationship for both sides”.
Since that first day, Damas have also made their own “the concern of breaking with psychological barriers, both with regard to the center-periphery duality”, and to the obligation of “a venue to focus on a specific musical genre”. For this reason, its agenda goes, in a single breath, from new Portuguese pop-rock to Creole rap and improvised music.
If there is a clear interest in bringing the periphery to the center and blurring boundaries between marginal and mainstream music, Rui Pedro Dâmaso’s experience with OUT.RA is, on the other hand, that of those programming from a peripheral condition with respect to Lisbon. This positioning implies “knowing what is specific to the dynamics of the city, which itself has several specificities compared to other peripheral urban areas in Lisbon”, he says in relation to his work in Barreiro, “but always looking to offer something new, something that consciously ignores its peripheral condition in order to try and overcome it, minimize it, transform it and, ultimately, sublimate it ”.
Despite the differences between the various “satellite municipalities” in the Lisbon Metropolitan Area, as Dâmaso calls them – rejecting the expression “Margem Sul” as a “totally Lisbon-centric concept” –, a characteristic that unites them is “the unofficial ‘curfew’ imposed on them, since after a certain hour, there is no public transport, even those connecting to Lisbon” – and this “has obvious implications also in the ability to attract non-local audiences”. Conversely, Rui Pedro Dâmaso, is positive: “we have been benefiting from gentrification for a year, a year and a half” in Lisbon. “It is something that we anticipated a long time ago and we often asked ourselves why it hasn’t happened sooner.”
Aware that these reasons are less positive ones – the brutal increase in rent – pushing “the most economically precarious classes” out of Lisbon, including the artistic and creative one, this movement from the center to the periphery has led to the “emergence of new people which, in some way, can ensure continuity in Barreiro’s cultural dynamics”. Even though gentrification is beginning to be felt in Barreiro as well.
Alongside gentrification, “touristification is just the most visible face of structural issues that point to urban development models in this era of turbocapitalism”, argues researcher Iñigo Sánchez. “In the case of Lisbon, the opening to tourism was one of the main ways out of the 2008 financial crisis and the troika’s subsequent intervention in the country. But the increase in tourist activity in the city also has a lot to do with the liberalisation of the real estate market, the entry of global capital, a precarious job market and active policies promoting the city as the new Barcelona, the new Berlin or the new San Francisco”.
In Lisbon, real estate speculation is a sword of Damocles that hangs continually on venues that do not have a wealthy and influential institution behind them. Clara and Alexandra, from Damas, speak of “a daily concern” because they cannot “guarantee the business’s long-term viability at a fair price”.
Álvaro Covões – who plans to open a new venue by the end of 2021 – complains about the lack of clubs in Lisbon and the acute lack of “stages with a capacity of 600 or 700 people that can be a first step to reach out to the general public”. And he adds: “real estate speculation breaks up theaters and music venues”.
For this reason, while there is no shortage of bookers and people wanting to make room for a “sparkling musical reality” (Damas words), one of the greatest threats to a diverse range of live music capable of guaranteeing stages for unknown and top names, inside and outside festivals, is that of a city obsessed with tourism, at the risk of forgetting to stay alive. And also thinking that Lisbon´s soundtrack should be heard on terraces and in counterfeit fado sessions, served after lunch as if it was a glass of ginjinha, to fill in travel agencies’ itineraries. Never has the voice of Lisbon been made of so many nuances and sounded so pressing. But for the music not to become a background noise, it is required to make some.
/ Translation by Saoussen Khalifa
The sound of tourism
To get the grip of Lisbon’s musical dynamics, the Institute of Ethnomusicology at the Faculty of Social and Human Sciences from Nova University of Lisbon created a research project called Sounds of Tourism (www.soundsoftourism.pt). Coordinated by Iñigo Sánchez, the project aims to “explore the way tourism plays a role in a certain ‘sound equalization’ of the city”. This means that he identified Lisbon’s turistification as a study object and a lens that allows us to examine the role recorded and live music plays in the cultural restructuring of urban neighborhoods caught up in the shredding machine of mass tourism. “There has never been so much music present in the city’s public space, but at the same time I feel that it all sounds the same”, Sánchez risks saying. That is why Sounds of Tourism also proposes, through many filters that will be applied in the research, to conclude if we are walking towards “the banalization and homogenisation of the sound and musical diversity of one’s territory “, in a city that, only in 2018, received more than seven million of tourists. He raises yet another pernicious question: the ones who visit the city search for what is already known and familiar or are looking to be “assaulted” by what is different? And how do the cities, and their cultures, know how to protect themselves against this flattening of global references?