Autor

Sofia Matos Silva

[PT] Sofia Matos Silva é jornalista, fotojornalista, fotógrafa, escritora e está sempre a investigar alguma coisa, mas é sobretudo um work in progress. Atualmente freelancer, é licenciada em Ciências da Comunicação e mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes.

[ENG] Sofia Matos Silva is a journalist, photojournalist, photographer, writer, and a perpetually-researcher-of-something, but she is mostly a work in progress. Currently a freelancer, she holds a major in Communication Sciences and a master’s in Literary, Cultural and Interart Studies.

A música – ou a prática de audição de música – é das artes mais democráticas, sendo a arte com que mais pessoas têm contacto e também a que mais pessoas apreciam. Da mesma forma, dado o seu baixo nível de materialidade, poder-se-ia imaginar que a música tivesse pouco impacto a nível de emissão de gases com efeitos de estufa (GEE) – pelo menos, em comparação com outras artes mais materiais e, portanto, com maior exigência de recursos.

No entanto, todas as fases de gravação ou performance de música têm o seu impacto no ambiente. Em 2007, a organização sem fins lucrativos Julie’s Bycicle encomendou o estudo First Step: UK Music Industry Greenhouse Gas Emissions for 2007 à Universidade de Oxford sobre, precisamente, o impacto ambiental da indústria musical do Reino Unido. As conclusões de previsões apontaram para 540,000 toneladas de GEE emitidos por ano; 43% dessas emissões corresponderiam às deslocações do público, 26% ao ciclo de vida dos CDs, 23% às salas, 4% a geradores, 2% ao transporte de equipamentos, 1% aos autocarros de tour e 1% a managers, agentes, promotores, sociedades de autores e entidades comerciais.

“A indústria da música é categorizada como um sector de serviços com apenas alguma produção e não é, portanto, caracterizada como intensiva em energia ou carbono”, refere o mesmo estudo. Se a estimativa que foi feita para os valores britânicos for atualizada para 2023, e feita a nível global, os números serão bem diferentes – ainda que, certamente, representando uma percentagem pequena dos quase 50 mil milhões de toneladas de GEE que a humanidade tem emitido anualmente, segundo a Climate Watch. É precisamente isto que diz Inês Silva, do movimento Music Declares Emergency (MDE), em entrevista à MIL Magazine: “A música tem um grande impacto no ambiente, e é preciso reconhecer isso. Não somos a indústria que mais polui, mas contribuímos através das tours e dos grandes festivais – que são quem maior impacto tem na pegada ecológica”. “Estes são”, acrescenta, “assuntos que, infelizmente, não estão a chegar a todos – embora os eventos climáticos extremos estejam a chegar a todos e também tenham consequências para a indústria da música”.

A sustentabilidade é usualmente entendida como a utilização de recursos naturais – ou a satisfação das necessidades presentes – sem comprometer as necessidades das gerações futuras. Já no primeiro número da MIL Magazine, publicado em 2020, se abordou como a indústria musical está a lutar contra as alterações climáticas, e festivais como Boom (Idanha-a-Nova), o Bons Sons (Cem Soldos), o Tremor (São Miguel), o Rodellus (Ruilhe) ou A Porta (Leiria) são alguns dos normalmente referidos como bons exemplos a nível de sustentabilidade em Portugal. Que medidas estão a ser tomadas com o objetivo de se ter um menor impacto no ambiente? Que lições há a retirar da aplicação destas medidas? 

A importância de uma política ambiental estrutural e integrada 

O Bons Sons e o Rodellus são festivais que têm sido reconhecidos pelo programa “Sê-lo Verde” do Fundo Ambiental, e o Tremor foi, em 2023, certificado pela entidade A Greener Future (AGF), mas o festival português mais marcadamente amigo do ambiente é, sem dúvida, o Boom, certificado repetidamente pela AGF, desde 2008. O paradigma ecológico do festival segue a lógica de que “não se trata apenas de limparmos: trata-se de deixar a Natureza num estado melhor do que quando a encontrámos. Como qualquer outra ação humana, o Boom também é responsável pelo seu impacto no ambiente natural e social”.

Inez Aires, da organização Zero Waste Lab, explica, em entrevista à MIL Magazine, que os alcances do festival são inúmeros: “zero garrafas de água de plástico; casas de banho 100% compostáveis no local; louças e talheres 100% biodegradáveis; conservação de água, tempo de duches limitado; 86% de todas as opções alimentares são vegetarianas/veganas e 71% regionais e nacionais, sendo os fornecedores de restaurantes, locais e regionais; educação ecológica e social através de oficinas, ativistas e ONGs, educação, eco-comunicação e eco-ativismo; os resíduos são encaminhados para instalações de reciclagem ou compostagem; a iniciativa Boom by Bike já conta com mais de 100 ciclistas; cinzeiros portáteis e sacos de lixo gratuitos entregues nos portões; mais de 33 pontos de água gratuitos; promoção do comércio justo e marcas locais; o Boom Bus, transporte público de 21% dos boomers; economia de energia com geradores mais eficientes, bioconstrução e biocombustíveis; reutilização de todos os materiais das edições anteriores para todas as estruturas; restauro e tratamento de 90% das águas residuais, através de uma bacia de retenção e tratamento de 7 milhões de litros no local; energias renováveis; eco-arte; reflorestação de árvores e arbustos autóctones; mais de 80% de trabalhadores portugueses”.

Esta abordagem estrutural e integrada segue a lógica que Inez Aires defende ser essencial quando se procura uma maior sustentabilidade: analisar todas as variáveis, trabalhando não só a componente ambiental, mas a económica e a social. Esta noção é essencial, dado que o conceito de sustentabilidade “está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento e assenta em ideias, estratégias e atitudes ecologicamente corretas, economicamente viáveis, socialmente justas e culturalmente diversas”.

Todos os festivais portugueses, independentemente da sua dimensão, têm consultores e responsáveis que trabalham na redução do impacto ambiental dos eventos – e ainda bem que o fazem –, mas a grande maioria só tem adotado algumas das medidas referidas acima, o que significa que há muito por onde melhorar. As medidas não podem existir no vácuo e muito menos servir campanhas de marketing, ou tentativas de melhorar a imagem das marcas (greenwashing, no fundo). 

Os copos reutilizáveis, por exemplo, que nos últimos anos se tornaram praticamente a mascote do espaço amigo do ambiente, por vezes servem mais interesses económicos do que ambientais. Com copos pagos à parte e não retornáveis, com a necessidade de os trazer de volta no dia seguinte de festival ou na próxima visita à sala de concertos (o que, com frequência, resulta em que fiquem perdidos ou esquecidos, e na necessidade de comprar outros), com o impedimento de usar copos de terceiros ou usar copos dos próprios de anos anteriores, é bastante óbvio quem fica a ganhar. Precisamente por isto, Inês Silva recomenda que se proceda à uniformização dos copos reutilizáveis, permitindo a utilização do mesmo copo em diversos eventos e durante vários anos. “Depende também do bom senso dos festivais e do controlo da ganância”, acrescenta.

Ainda assim, Gwendolenn Sharp, da associação The Green Room, aponta em entrevista à MIL Magazine, que já há muita coisa a ser pensada e trabalhada com festivais, e como é tão fundamental “não colocar pressão apenas sobre os músicos” como “pensar numa mudança realmente sistémica”, é importante trabalhar também a sustentabilidade de clubes e bares com música ao vivo e de salas de espetáculos. “E também tem sido mais interessante porque, através dos clubes, conseguimos construir uma relação muito mais duradoura com os artistas, do que através dos festivais”, comenta. É verdade que “esse processo de transição para opções mais eficientes custa dinheiro – às vezes até bastante, dependendo do contexto, para o que os espaços conseguem suportar”. 

Porém, “também é um investimento para o (e no) futuro, até porque há de chegar a altura em que governos terão de passar leis e cada espaço terá de calcular a sua pegada de carbono, ou mesmo medidas a nível local, e se o sector da música não estiver preparado, vai tudo custar muito mais dinheiro”. Olhar só a curto prazo, assim, até pode ser pior a nível económico – para nem falar a nível ambiental –, “e mesmo que pareça ser dispendioso agora, pode ser muito interessante a longo prazo, e até ajudar a reduzir custos no futuro”. Gwendolenn Sharp avança ainda que, claro, “coisas que podem funcionar para um local podem não funcionar para outro”, mas que há medidas que podem ser consideradas “mais eficientes e que nem custam muito dinheiro”.

“Sabemos que a mobilidade do público é o maior impacto para a maioria das salas e dos festivais”, logo, investigar, “fazer inquéritos sobre a mobilidade do público, perceber como as pessoas se deslocam e porquê” – até pedindo a contribuição de universidades, por exemplo – pode “ajudar os organizadores a entender melhor e agir sobre a mobilidade do público”. A comida é outra coisa que “é sempre um bom caminho e é algo que não é muito difícil”; optar por comida maioritariamente vegan ou vegetariana “é muito eficiente”, já que, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, cerca de 15% dos GEE serão provenientes da pecuária (e a alimentação à base de plantas requer até 100 vezes menos solo por quilocaloria) – e até pode surpreender o público de forma positiva. Contratar um profissional para analisar a refrigeração dos espaços e os gastos energéticos e fazer pequenos ajustes, às vezes, faz bastante diferença, “e nem é preciso fazer uma renovação enorme”. Sharp aponta ainda a importância de procurar informação, adotar Green Riders, “aderir a movimentos e redes de partilha e discussão de ideias, como a Music Declares Emergency” e muitas outras.

A Music Declares Emergency fornece, de facto, recursos que podem servir de orientação para quem não sabe bem por onde começar. O guia de boas práticas para a indústria musical, conhecido por Climate Pack, foi compilado pelos fundadores do movimento no Reino Unido, com informações cedidas pela Julie’s Bicycle, e está também disponível em português. Depois de uma breve contextualização sobre a crise climática e ecológica e sobre o movimento em si, são fornecidas orientações para artistas, tours, editoras, merchandising, salas, managers, festivais e até para fãs. A secção para salas, por exemplo, inclui tópicos como mudar para energia 100% renovável, medir o impacto carbónico, atualizar os parâmetros da colaboração com fornecedores, e deixar bem claro o compromisso com o ambiente a artistas, parceiros e público.

A música como agente de mudança social

“Acho que os músicos, às vezes, não têm noção do poder que podem ter”, reflete Gwendolenn Sharp. Os músicos podem influenciar os seus públicos, mesmo que essa influência varie em escala: “se a Taylor Swift, de repente, decidisse que vai parar de andar com o seu jato particular de um lado para o outro e dissesse aos seus fãs que têm de andar de bicicleta, eles provavelmente iriam fazê-lo. A esta escala, claro, há muita influência, mas mesmo numa escala menor, a influência existe na mesma”. 

Que responsabilidade tem o ecossistema musical na transição ecológica justa? “Às vezes temos a sensação de que o sector cultural é uma espécie de bolha fora da sociedade, mas na verdade não é. O sector cultural reproduz todos os problemas estruturais que temos na sociedade – a situação é igual com a igualdade de género, com o racismo, e também com as questões ambientais. E é importante ter uma visão muito interseccional disto, o que significa que não se pode olhar para as questões ambientais por si só, mas sim ligá-las a todas as outras questões.

Portanto, é preciso ter muito cuidado. Para falar de justiça ambiental, é preciso falar também de justiça de género, por exemplo”, examina a especialista francesa, acrescentando que, se isto se aplica à escala da indústria musical, também se aplica à sociedade em geral e reflete precisamente as mudanças que o sector cultural “deve tentar infundir na sociedade”. 

Seria importante, por exemplo, que artistas mais velhos e com carreira consolidada – e que, ainda por cima, “desenvolveram a carreira quando tudo estava, digamos, ainda bem” – tanto dedicassem mais tempo a usar a sua influência para espalhar a mensagem como recuassem um pouco para deixar espaço para os artistas mais novos. “Porque isto também está ligado às questões ambientais”, diz a consultora ambiental. Acredita que músicos com carreira consolidada não tenham necessidade de andar em tour de forma tão intensiva como artistas jovens que ainda estão a começar e que precisam de viajar para mostrar o seu trabalho noutros países. Assim, podem “nem que seja voar menos e andar mais de comboio, ou fazer mais concertos locais”. Como aponta Inês Silva, “obviamente que não queremos que ninguém deixe de fazer tours, nem de fazer música ou de dar concertos”, mas a crise climática “não é um assunto nem só para pequenos nem só para grandes” e “cada um pode fazer a sua parte”. Tem de funcionar numa lógica de “responsabilidade partilhada”, defende Gwendolenn Sharp, “e é algo que deve ser combatido à escala internacional”.

Precisamente por este último ponto, “organizações como a Music Declares Emergency são cada vez mais necessárias”. Inês Silva explica que o movimento – constituído por artistas, profissionais da música, organizações do sector da música e fãs – nasceu no Reino Unido em 2019, e chegou a Portugal em 2022. “Queremos consciencializar e reduzir o impacto da indústria da música no meio ambiente e, por outro lado, apelar a governos uma resposta mais rápida, concreta e eficiente. A missão é, sobretudo, trazer o debate para a esfera pública através da visibilidade que os artistas e os eventos de música têm, e temos o objetivo de consciencializar, educar e capacitar a indústria para adotar práticas mais sustentáveis”, avança. A MDE é também uma comunidade de colaboração, ajudando a partilhar “boas práticas e ideias inovadoras” e a apoiar quem quer melhorar. Gwendolenn Sharp comenta também que o movimento é essencial porque a união faz a força e muitos músicos por si só teriam medo de se pronunciar e ser atacados; juntos, sentem-se mais confiantes para promover uma mudança sistémica.

Para promover mudança sistémica, contudo, não chega fazer discursos: é preciso agir também. Para usar o exemplo anterior, não bastaria Taylor Swift anunciar a preferência por bicicletas e comboios como meios de deslocação – é essencial agir em conformidade, mostrar que consegue praticar o que pede aos outros que pratiquem, e deixar de utilizar o seu jato privado praticamente como meio de deslocação principal

(um relatório da empresa de marketing sustentável Yard, publicado em 2022, colocava a artista americana no topo da lista de celebridades com mais emissões de GEE, emitindo apenas com o jato 1.184,8 vezes mais do que as emissões anuais totais de uma pessoa “comum”). Dua Lipa também não pode pedir aos seus fãs que alterem hábitos em prol do bem-estar do planeta e, ao mesmo tempo, andar em tour pela Europa com 30 camiões TIR, 9 autocarros de digressão, 60 toneladas de equipamento e 500 pessoas de apoio, como apareceu em Portugal em 2022. 

Os Coldplay viajarão com números não muito diferentes, mas toda a tour foi planeada seguindo um trabalho colossal de reestruturação estrutural e integrada, de forma a reduzir o impacte no ambiente. Em junho de 2023, a banda anunciou que, durante o primeiro ano da tour, foram emitidos menos 47% de GEE em comparação com a tour anterior (de 2016 e 2017). Ainda assim, os valores estão abaixo da meta planeada (50%), o que leva a banda a assumir que há coisas a melhorar para o segundo ano de concertos. Também pode ser importante pensar não só na redução de emissões, como na compensação das emissões que não se consegue evitar ainda, embora esta não possa nunca substituir a redução – até porque, como comenta Gwendolenn Sharp, “por vezes, parece uma desculpa para não fazer mais”.

A lista de assinaturas da declaração de emergência climática e ecológica da MDE conta com 3568 artistas, 1572 organizações e 1814 fãs, até à data. Nomes como Billie Eilish, Arcade Fire, Foals, Bon Iver e Tame Impala fazem parte desta lista, bem como os portugueses Clã, Isaura, Surma, First Breath After Coma e Lena D’Água, enumera Inês Silva. A MDE, no entanto, é apenas um dos movimentos que ligam o mundo artístico à luta pelo ambiente (a Music Climate Revolution da REVERB é outro exemplo), tal como estes são apenas alguns dos artistas preocupados com a causa; na prática, o ativismo ambientalista sempre contou com músicos nas suas “fileiras”. Jack Johnson é apontado pela representante da MDE em Portugal como uma das melhores referências. Ambientalista convicto e envolvido em causas filantrópicas há décadas, tem dedicado grande parte do seu tempo à educação ambiental, ao apoio à investigação e ao ativismo em geral. A Kōkua Hawai’i Foundation, por exemplo, a organização sem fins lucrativos que fundou com a esposa, Kim, em 2003, dedica-se a levar a educação ambiental às escolas e comunidades do Havai. 

Numa dimensão menor, os Clã são dos melhores exemplos em Portugal, segundo Inês Silva. Sempre que podem, usam transportes públicos, cortaram o uso de plásticos de uso único nos camarins, fizeram alterações à própria alimentação nos bastidores, estão a repensar o merchandising e os figurinos que usam em palco, e têm ajudado muito a equipa da MDE com a divulgação e a entender o que tem capacidade para resultar ou não. Fora de Portugal, Gwendolenn Sharp aponta a banda franco-senegalesa Stranded Horse, com quem já trabalha há mais de uma década, como um exemplo de excelência no que toca à sustentabilidade, que influencia não só a maneira como partilham a sua arte, mas também a própria criação musical. 

Refere ainda a DJ belga Nono Gista, que vive em Berlim e parou há cinco anos de viajar de avião “por respeito ao meio ambiente”, segundo o website da artista. Isto não a impede, no entanto, de continuar a atuar internacionalmente; investigadora académica, DJ, produtora, promotora, locutora de rádio e criadora de zines, a agenda da artista é “organizada ao ritmo de comboio”, prática a que chama “slow gigging”. Gwendolenn Sharp comenta ainda, em jeito de conclusão, que toda a gente conhece o festival Boom na Europa, mas que este ano também o Tremor conseguiu uma classificação alta na certificação, o que “é um bom sinal para festivais maiores de que provavelmente deveriam estar a assumir mais responsabilidades nesse sentido”.

As variáveis que norteiam a sustentabilidade de um evento | Inez Aires, da associação Zero Waste Lab

 

Planeamento | A criação de um evento sustentável deve obedecer a um planeamento antecipado cuidado, antevendo as situações em que determinadas escolhas poderão fazer a diferença para tornar o evento mais sustentável, qualquer que seja a natureza do evento. A sustentabilidade não pode ser compreendida nem alcançada com ações pontuais, deve partir de uma perspetiva a longo prazo, com visão global, mas estabelecida por etapas, assente num plano que identifica previamente as áreas estratégicas do evento.

Energia | A energia representa até 77% da pegada carbónica no local do evento, segundo dados do relatório The Show Must Go On (2020). Desta forma, a gestão sustentável da energia deve ser uma prioridade em todos os eventos, quer através da procura de novas soluções para utilizar a energia de forma mais eficiente e ecológica, quer pela promoção do uso de fontes de energia temporárias que sejam eficazes. 

Mobilidade | A mobilidade é responsável por cerca de 80% das emissões de gases com efeito de estufa de um evento (The Show Must Go On, 2020) e é fundamental para a sua concretização, já que tanto os trabalhadores, como o público, os fornecedores, a mercadoria, as estruturas e o equipamento têm necessidade de deslocação. É imperativo definir um plano de transportes inteligente que promova a eficiência, minimize as emissões, e compense as que não puderem ser evitadas.

Ar | A qualidade do ar e a propagação de som são fatores de extrema importância para o bem-estar. No contexto de um evento é importante, por um lado, quantificar as emissões, diretas ou indiretas, de gases com efeitos de estufa e, por outro, avaliar o impacto do ruído causado pelo evento. 

Solo | O solo, apesar do seu papel indiscutível na economia, está em contínua degradação, seja por contaminação, sobre-exploração, impermeabilização ou erosão. A preocupação com a contaminação do solo advém do risco de prejudicar a saúde humana, nomeadamente por via da cadeia alimentar, da perda da biodiversidade ou do impacto relativo aos outros recursos naturais. Importa assim considerar o local onde o evento se realiza e, caso sejam áreas naturais sensíveis (como por exemplo: parques, jardins ou praias), definir estratégias que protejam o solo e promovam a sua recuperação.

Água | Como parte integrante e indissociável da vida, a água está também presente em muitos dos processos que um evento envolve, para não falar da sua utilização direta no local. Torna-se, portanto, necessário adotar uma gestão sustentável da água, incluindo esta medida na cadeia de valor.

Resíduos Sólidos, Resíduos Líquidos e 5 Rs | A maioria dos eventos produz um elevado número de resíduos, usufruindo por isso de um imenso potencial de recuperação de recursos. Desde a alimentação à construção no local, passando pela decoração, quase todas as partes envolvidas produzem resíduos, os quais, se não forem geridos de forma correta, acabarão como lixo. Planear o evento com vista a reduzir, prevenir a produção de resíduos e delinear uma estratégia para a sua reutilização, são etapas essenciais à gestão de um evento sustentável.

Alimentação | Quase todos os eventos possuem serviços de restauração. É uma excelente oportunidade para demonstrar que a alimentação pode ser saudável e sustentável. Restaurantes que servem comida nutritiva e diversa, usando produtos frescos, da época, biológicos, locais e justos deveriam ser privilegiados em detrimento de outros que não têm estas preocupações.

Embalagens | As embalagens, principalmente as de uso único, representam uma fonte de poluição excessiva. Várias medidas estão a ser tomadas a nível mundial de forma a tentar controlar esta questão, mas a verdade é que continuamos a ver este tipo de embalagens em quase todo o comércio, pelo menos em Portugal. É fundamental conhecer as necessidades reais para uso de embalagens e reduzir o supérfluo, estabelecer políticas na escolha dos componentes, capacidade de reutilização e reciclagem.

Logística | Para a realização de um evento são necessários materiais e as decisões relativas à sua aquisição ou aluguer devem ser feitas no sentido de reduzir o impacto que produzem no meio ambiente e na economia do evento. Os princípios fundamentais de compras sustentáveis devem incluir serem justas, responsáveis, éticas e transparentes. A escolha de determinado fornecedor pode ser uma afirmação pública do compromisso que um evento tem com uma gestão sustentável.

Comunicação | A comunicação é uma ferramenta poderosa de um evento. A mensagem certa pode inspirar profundas mudanças no público, principalmente se o evento for uma referência nesse campo. Além disso, todos os meios de comunicação devem ser planeados de forma responsável, transparente e coerente.

Arte | Existem múltiplas maneiras de chegar às pessoas e o poder da arte é indiscutível. Nas suas variadas vertentes, a arte surge como uma forma diferenciadora de expressão, sendo um veículo criativo de sensibilização do público para questões ambientais. A criatividade apresenta-se essencial a um processo que implica mudanças e utilização de novas soluções.

Humanidade | É fundamental manter as ‘nossas pessoas’ felizes, motivadas, reconhecidas e integradas na produção de um evento. São inúmeros os relatos mundiais de atos desumanos nesta indústria. Aqui procuramos a justiça e responsabilidade com as equipas, manter os ambientes de trabalho saudáveis e seguros, respeitar os direitos humanos, a diversidade, os padrões internacionais de direitos trabalhistas, incluir as minorias, garantir a igualdade de oportunidades. Acima de tudo, cultivar a qualidade das relações. Em relação ao público, proteger a sua saúde é fundamental, e garantir um evento saudável e higienizado também. Várias vertentes são alvo de atenção quando falamos de saúde pública, como por exemplo a qualidade da água e da alimentação, assim como a prevenção de doenças e ferimentos.

English Version
Music – both its playing and listening – is one of the most democratic arts, considering the number of people it reaches as well as those who enjoy it. Similarly, given its low level of materiality, we would imagine that music had little impact in terms of greenhouse gas emissions (GHG) – at least compared with other arts, whose greater materiality demands more resources.

However, all stages of music recording and performing have an impact on the environment. In 2007, the non-profit organisation Julie’s Bicycle commissioned the study First Step: UK Music Industry Greenhouse Gas Emissions for 2007 from Oxford University, on the environmental impact of the music industry in the UK. The findings point to the emission of 540,000 tons of GHG a year; 43% resulting from audience travel, 26% from CD lifecycle emissions, 23% from music venues, 4% from generators, 2% from equipment trucking, 1% from tour buses and 1% from managers, agents, promoters, collecting societies and trade body offices.

The same study notes that “The music industry is categorised as a service sector with only some manufacturing and is not therefore categorised as energy or carbon intensive.”  If the estimate on British values is updated for 2023 and scaled to the global level, the numbers will be quite different – even though it surely represents a small percentage of the almost 50 thousand million tons of CHG emitted by humanity every year, according to Climate Watch. That is precisely what Inês Silva, from the movement Music Declares Emergency (MDE), told MIL Magazine: “Music has a great impact on the climate and we need to acknowledge it. We are not the most polluting industry, but we contribute through touring and big festivals – which weigh most on the industry’s ecological footprint.” She adds that “unfortunately, these concerns are not reaching everyone – even though already we are all being affected by extreme climate events, which in turn are also having an effect on the music industry.”

Sustainability is usually understood to mean the use of natural resources – or the satisfaction of present needs – without compromising the needs of future generations. The first number of MIL Magazine, published in 2020, already addressed the issue of music industry’s fight against climate change, describing how festivals such as Boom (Idanha-a-Nova), Bons Sons (Cem Soldos), Tremor (São Miguel), Rodellus (Ruilhe) or A Porta (Leiria), are usually cited as good examples of sustainability in the Portuguese festival scene. What are the measures being taken towards diminishing environmental impacts? What lessons can we learn from the implementation of these measures? 

The importance of a structured and integrated environmental policy

The festivals Bons Sons and Rodellus have been recognized by the Environmental Fund’s program Sê-lo Verde, and this year, Tremor was certified by the organisation A Greener Future (AGF), but the most distinctly eco-friendly Portuguese music festival is unquestionably Boom festival, which since 2008 has been consistently certified by AGF. This festival’s ecological paradigm follows a logic according to which “it is not just about cleaning up: it’s about leaving nature in a better state than we found it. As any other human activity, Boom is also responsible for its impact on the natural and social environment.”

Interviewed by MIL Magazine, Inez Aires, from the organisation Zero Waste Lab, explains the festival’s many targets: “zero plastic water bottles; 100% composting toilets; 100% biodegradable tableware; water conservation, limited shower time; 86% of all food options must be vegetarian/vegan and 71% regional and national, and suppliers must also be local and regional; providing ecological and social education through workshops, activists and ONGs, promoting eco-communication and eco-activism; all disposable waste is transported to recycling or composting facilities; the programme Boom by Bike already has more than 100 cyclists; portable ashtrays and free garbage bags delivered at the entrance gates; more than 33 free water points; promoting fair trade and local brands; the Boom bus, 21% of Boomers using public transportation; energy saving through more efficient generators, bioconstruction and biofuels; reusing all materials from past editions in all structures; restoration and treatment of 90% of all wastewater through a retention and treatment basin with 7 million litres at the site; renewable energies; eco-art; reforestation of autochthonous trees and bushes; over 80% of Portuguese workers.”

This structural and integrated approach follows the logic defended by Inez Aires as essential in striving for greater sustainability: studying all the variables, working not just the environmental component, but also the economical and social dimensions. This notion is essential, insofar as the concept of sustainability “is intrinsically connected to sustainable development and is grounded on ideas, strategies and attitudes that are ecologically correct, socially just and culturally diverse”.

All Portuguese festivals, regardless of their size, have consultants and employees who work to reduce the events’ environmental impact – and it’s good that they do -, but the large majority has only adopted a few of the measures mentioned above, which means that there is plenty of room for improvement. These measures cannot exist in a vacuum, much less serve as marketing campaigns or attempts to improve the image of brands (which ultimately amounts to greenwashing).

Reusable cups, for instance, which in recent years have virtually become a mascot of eco-friendly venues, sometimes serve economic, rather than environmental interests. By imposing prepaid non-returnable cups, forcing users to bring them again on the next day of the festival (which often leads to losing or abandoning them and having to buy new ones), or by forbidding people from using others’ cups or their own cups from previous editions, it becomes quite obvious who is profiting. This is why Inês Silva recommends homogenising reusable cups, so the same cup can be used at different events and for several years, adding that “It is also a matter of sound judgement and control over greed on the part of festivals.”

Nevertheless, as Gwendolenn Sharp, from The Green Room association, pointed out in an interview for MIL Magazine, many things are already being planned and developed with festivals, also stressing how important it is “not to put all the pressure on musicians alone” and “to think about a truly systemic change.” As Sharp also observes, it is equally important to work on the sustainability of live-music clubs and concert halls, commenting that “it has also been especially interesting because, through the clubs we can build a much longer-term relationship with artists than through festivals.” It’s true that “this process of transition to more efficient options costs money – depending on the context, sometimes quite a lot of it, at least in terms of what these venues can afford.”

However, “it is also an investment in (and for) the future, especially considering that government regulation is not far off, forcing venues to calculate their own carbon footprint, or even enforcing measures at the local level, so if the music sector is caught unprepared, the financial costs will be far greater”. Taking the short-term view may actually be economically unsound – not to mention environmentally-, “and even if it now seems expensive, it can compensate in the long run and may help to cut costs in the future”. Gwendolenn Sharp suggests that “obviously, things may work for a specific site and not for another,” but some measures can be considered “more efficient and not even cost that much money”.

“We know that audience travel has the greatest impact for most concert halls and festivals”, and therefore conducting research “making surveys on audience travel, understanding how people reach those venues and why” – seeking the collaboration of universities, for instance, – may help organisers to better understand and act on audience travel”. The food is also “always a good route and not so hard to do”; opting for mostly vegan or vegetarian food “is very efficient” since, according to the Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), around 15% of GHGs come from livestock (and a plant-based diet requires up to 100 times less soil per calorie) – on top of which audiences may even be pleasantly surprised. Hiring a professional to analyse the refrigeration and energy costs of sites and making minor adjustments can sometimes make a huge difference, “and it doesn’t have to imply major renovations”. Finally, Sharp points out the importance of researching information, recommending the adoption of Green Riders, “joining movements and discussion and sharing networks, such as Music Declares Emergency, amongst many others”.

Music Declares Emergency (MDE) provides resources that can actually serve a guide for those who don’t know where to start. The Good Practice Guide for the music industry, known as their Climate Pack, was compiled by the movement’s founders in the UK, containing data shared by Julie’s Bicycle and also available in Portuguese. After a brief introduction to the climate and ecological crisis, as well to the movement itself, it contains guidance in sections dedicated to artists, tours, labels, merchandising, concert rooms, managers, festivals and even for fans. The section on concert rooms, for instance, includes topics such as, how to shift to 100% renewable energy sources, how to measure the carbon impact, how to adjust the parameters of collaboration with suppliers, how to make the commitment to the environment very clear to artists, partners and audiences. 

Music as an agent of social change

“I think that musicians are sometimes not aware of the power they can have,” reflects Gwendolenn Sharp. Musicians can influence their audiences, even if the scale of that influence varies: “if Taylor Swift were suddenly to decide that she would stop travelling around in her private jet and told her fans that riding bicycles was a good thing, they would probably follow her lead. At that scale, of course, the influence is tremendous, but even at a smaller scale, it is still there”.

What responsibility does the musical ecosystem have for a just ecological transition? “Sometimes we get the feeling that the cultural sector is a kind of bubble apart from society, but in fact it’s not. The cultural sector reproduces all the existing structural problems in society – this applies to gender equality, racism and, so too, environmental issues. And it is important to have an intersectional perspective on the problem, which means that you can’t regard environmental issues in isolation, but you have to connect them with all other issues.

Therefore, as this French specialist notes, we have to be very careful; if we want to talk about environmental justice, we must also consider gender justice, for instance, adding that while this applies to the music industry, it also applies to society on the whole, reflecting precisely those changes which the cultural sector “should strive to instil in society.”

It would be of paramount importance, for example, that older and more established musicians – especially since they “built their career when everything was still ok, so to speak” – would spend more time using their influence to spread the message, as well as stepping back a little to give younger artists more space, “because even that is also connected to environmental issues,” says this environmental expert. Sharp believes that musicians with a successful career don’t need to tour so intensively as young artists who are still starting and who need to travel in order to show their work abroad. Thus, the former could “at least cut down on flying and use the train more, or perform locally.” As Inês Silva points out, “we obviously don’t want anyone to stop touring or making music or giving concerts,” but the climate crisis “should neither be exclusively a concern for minor or major artists” and “each one can do their part.” “It must follow a logic of ‘shared responsibility’ Sharp argues, “and it is something that has to be fought internationally.” 

On this last point, “organisations such as Music Declares Emergency gain increasing relevance,” says Inês Silva, explaining that the movement – comprising artists, music professionals, music-related organisations and music fans – was born in the UK in 2019, having reached Portugal in 2022. As she puts it, “we want to raise awareness and reduce music industry’s impact on the environment, and on the other hand to demand swift, effective and efficient action from governments,” adding that “the mission is, first and foremost, to bring the debate to the public sphere through the visibility provided by artists and music events, and our goal is to raise awareness, educate and empower the industry to adopt more sustainable practices.” MDE is also a collaborative community, sharing “good practices and innovative ideas” and helping those who want to improve. In her turn, Gwendolenn Sharp comments that the movement is also essential in mustering strength through unity, since many musicians would be afraid of speaking out and being attacked for it; together, they feel more confident endorsing systemic change.

Advancing a systemic shift, however, requires more than mere speechmaking: words must be backed up by actions. Continuing with our previous hypothesis, it wouldn’t be enough for Taylor Swift to declare her preference for bicycles and trains as the best means of transport – it would be essential for her to act accordingly, showing that she could practise what she is asking others to do, and effectively stop using her private jet as her main means of transportation

(a report published in 2022 by the sustainable marketing firm Yard, placed the American artist at the top of a list of celebrities with higher GHG emissions, her jet plane alone being responsible for emitting 1,184,8 times more than the total annual emissions of the “average” person). Dua Lipa cannot ask her fans either to alter their habits for the welfare of the planet at the same time that she tours Europe with 30 long-haulage trucks, 9 tour buses, 60 tons of equipment and a staff of 500, as she did when she came to Portugal in 2022.

Coldplay’s tour numbers probably won’t be significantly different, but the whole tour was planned following a huge structural and integrated adjustment to reduce environmental impacts. In June 2023, the band announced that during the first year of the tour, GHG emissions were reduced by 47% compared to the previous tour (2006 and 2007). Even so, the figures fall short of their intended goal (50%), which led the band to assume some things need to be improved in the coming year of concerts. It may also be important to think, not just about reducing emissions, but also compensating for emissions that are yet impossible to avoid, even though compensation can never be a substitute for reduction – not the least because, as Gwendolenn Sharp point out, “sometimes it may be used as an excuse not to do anything else.” 

The list of signatures in MDE’s declaration of climate and ecological emergency currently includes 3568 artists, 1572 organisations and 1814 fans. Inês Silva lists names some of the artists in the list, such as Billie Eilish, Arcade Fire, Foals, Bon Iver and Tame Impala, as well as Portuguese artists like Clã, Isaura, Surma, First Breath After Coma and Lena D’Água. But MDE is just one of the movements linking the artistic world with the fight for the environment (REVERB’s Music Climate Revolution is another example), and these names are just a few of the artists committed to this cause; in practice, environmental activism has always counted with musicians in its ranks. Jack Johnson is pointed by Portugal’s MDE representative as one of the major references. As a committed environmentalist and someone who’s been involved in philanthropic causes for decades, he has devoted a lot of his time to environmental education, to supporting research and activism in general. The Kōkua Hawai’i Foundation, for instance, a non-profit organisation founded in 2003 by Johnson with his wife, Kim, dedicates itself to taking environmental education to schools and communities across that American state. 

On a smaller scale, the Portuguese band Clã are one of the best examples in that country, says Inês Silva. They opt for public transportation whenever possible, cutting down on single-use plastics in dressing rooms, as well as making changes to their own backstage diet; they are rethinking their merchandising and their stage sets and they have helped to disseminate MDE and to figure out which solutions are viable and which aren’t. In other countries, Gwendolenn Sharp highlights the Franco-Senegalese band, Stranded Horse, with whom she has been working for over a decade, as an example of excellence in terms of sustainability and who exert their influence not only through the methods used to share their art, but also through their artistic musical expression itself. 

Sharp also cites the Berlin-based Belgian DJ Nono Gista, who according to his official website, stopped using air travel five years ago “out of respect for the environment”. Gwendolenn Sharp herself, in her continued international activities as an academic researcher, DJ, producer, promoter, radio host and zine editor, has harmonised her agenda “with the rhythm of trains,” in a practice she has dubbed “slow gigging.” As a kind of summing up, Sharp observes that while a festival such as Boom has already become a household name in Europe, this year the Tremor festival also achieved a high certification rating, “providing a good sing for bigger festivals that they should probably start assuming greater responsibility when it comes to these concerns.”

/ Translation by Diogo Freitas Costa

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