Palestra com Carminho & Niño de Elche
Nascida da fadista Teresa Siqueira e criada em contacto constante com o género, Carminho vê o fado como uma linguagem com várias possibilidades. Ao longo da sua década e meia de carreira, a fadista tem vindo a abalar as estruturas – e as regras – do género, alterando letras com conotação sexista e arriscando fórmulas melódicas que implicam apresentar-se em palco com instrumentos como o mellotron ou a guitarra lap steel. Da mesma forma, Niño de Elche intitula-se exflamenco, como alguém que já foi e já não é, mas que guarda em si o conhecimento e a prática do flamenco. Enquanto género sem origem, o músico espanhol vê no flamenco o potencial para desconstruir e construir algo constantemente novo. Tal como Carminho, Niño de Elche concebe o flamenco como um meio: a tradição é igualmente honrada e contrariada, e o passado torna-se presente em tensão.
Os dois artistas protagonizaram uma palestra no MIL 2023, em torno da relação que cada um estabelece com a herança cultural do fado e do flamenco na música que fazem. A conversa, moderada pelo jornalista Gonçalo Frota, vive agora nesta versão transcrita e editada.
Gonçalo Frota (GF): Ao ser convidado para moderar esta conversa, lembrei-me do Obélix. Isto pode ser um pouco absurdo, mas a história do Obélix cair no caldeirão da poção mágica em criança, e ficar com aquela força eterna dentro dele, fez-me pensar que vocês, tendo começado a cantar e a absorver as tradições muito novos, ficaram com esse potencial da tradição dentro dos vossos corpos e a correr nas vossas veias.
O que me parece fascinante nos vossos percursos é que a tradição está sempre presente, mesmo se contra ela, e vocês não dão o salto para a música pop, onde perderiam todas essas referências. Então, começaria por perguntar se a tradição está sempre presente na ideia de um disco, de um concerto, mesmo que para contrariá-la.
Carminho (C): Há diferentes maneiras de ver a tradição, de reagir e integrá-la. No meu caso, o fado é a minha linguagem. A linguagem não é o discurso, e o discurso já vem de mim, das minhas influências e referências. Se o fado é a linguagem, tem de ser praticado como a língua portuguesa. A prática do fado, que é repetitiva, com gestos simples que parecem iguais, é um pouco como um artesão que faz o seu vaso, e o vaso é para ser perfeito, mas nunca sai perfeito, embora sempre novo e diferente. Essa é a dinâmica da linguagem e da prática do fado.
Eu, que sou muito ligada e atenta a essa prática, encontro algumas brechas para experimentar e criar o sentido da tradição. Caminho pelo sentido da tradição. Falando de produção, o que vejo é uma guitarra portuguesa que é muito aguda, que tem as cordas de aço, que soa como uma melodia, porque é uma resposta à voz. Essas características podem ser encontradas noutros instrumentos com outras texturas e podem cruzar-se, dialogar, e ter o mesmo sentido, que para mim é sempre a vertigem. É isso que eu procuro: a vertigem da emoção.
É algo construído, mas tem essa direção que eu encontro numa casa de fados. Mas a forma como se faz na casa de fados é muito intuitiva, muito natural, e às vezes também muito acomodada. Por isso, não aguento ouvir mulheres cantarem letras machistas, estão a cantar coisas em que não acreditam, estou certa, mas não refletem sobre o facto de que o fado é um instrumento, não um fim em si mesmo. Então, o discurso tem de ir procurá-lo [esse fim] a outras dimensões artísticas, a outros mundos.
Niño de Elche (NdE): A palavra tradição não é uma palavra de consenso. Não gera amizade. É como as palavras “experimentação”, “improvisação”, que são palavras suscetíveis de ter muitas traduções. Depende da tradição da qual tu vens, e da ideologia estética e artística que tens. No meu caso, partindo do flamenco, poderia dizer que o flamenco para mim é um meio, semeio-o a partir de um campo de sentido. Se entendermos a tradição como algo constantemente mutável, então podemos associar o flamenco ao que se entende por tradição. Mas se entendemos a tradição como um cânone, o flamenco não pode ser relacionado com essa palavra, porque sempre funcionou como uma música sem origem, portanto, não tem uma dívida histórica. Tenta-se, nos discursos oficiais, construir essa dívida histórica para enraizá-lo na história da música, da antropologia, do político, do social, mas esta é a grande impossibilidade do flamenco. É a sua grande tragédia e, ao mesmo tempo, a sua grande virtude: não ter história a defender. Não ter um passado a reconhecer como o pai de todos, a mãe de todos. Tenta-se construí-la, mas o flamenco, como toda a arte, é uma arte da mentira, no sentido positivo, então, podemos construir, desconstruir, e imaginar todo o tipo de flamenco.
Por isso, o flamenco está construído graças a olhares como os das vanguardas francesas, das vanguardas russas na dança, dos públicos de Nova Iorque no início do século XX. Está construído pelo norte de África, por todo o folclore espanhol. Tudo isso o torna numa arte bastarda. E o melhor é que não tem um objetivo claro. Daí vem esse espírito quase anárquico que sempre persegue o mundo do flamenco. Daí que os debates, as discussões em torno da tradição do flamenco sejam passionais, quase violentas.
C: No fado, também há uma discussão de origem. Na história do fado também não existe um consenso nem uma definição, tudo é muito mal explicado. Mas quem me dera que houvesse tanta paixão e discussão ao falar de fado, porque assim, o fado estaria mais seguro.
GF: Mas é importante que essa história seja clara, porque eu imagino que a maneira que vocês têm de se relacionar com o fado e com o flamenco vem também muito do que aprenderam diretamente com as pessoas.
C: Eu nasci da minha mãe, que estava a cantar quando eu nasci, mais ou menos. Não indo tão longe, mas falando de mim, como fazes a tua ceia de Natal? Da mesma forma que a tua mãe, que a tua avó, porque te traz essas memórias, essas identidades, que depois podes desconstruir, revolucionar ou amar, e não querer mudar. Tens sempre um objeto anterior com o qual te relacionas, e essas relações podem ser mais difíceis. Para mim, o fado não tem uma função e um objetivo, tão pouco uma centralidade. É um meio, uma linguagem que eu uso, como uso o português. Falando espanhol, falo bem, mas em português é que eu amo, mais do que tudo. Para mim, a língua é onde eu me sinto confortável para falar com o meu amor, sobre o amor. Quer dizer, no extremo, pode ser sobre outras coisas, mas a língua é muito importante para descobrires o teu lugar. E o fado, fazendo então este paralelo com a língua, é o meu lugar.
Sinto-me apaixonada pela tradição, e por aquilo que eu aprendi, pelas melodias, pelo Alfredo Marceneiro, essas coisas apaixonam-me, mas eu não sou devota a elas, estou a fazer um outro caminho, utilizando-as como matrizes para falar outra língua. Não me sinto minimamente constrangida a fazer mudanças, nem tensa, como que a pôr um requerimento ao departamento dos puristas. Acho-os [os puristas] importantes. No outro dia, diziam-me “é muito engraçado, tu começas o disco com um fado tradicional, e no segundo, já vens inventar” e eu “Não ouviste o primeiro? É que tem mellotron, lap steel…”. Mas não ouvem, e essa é a parte mais engraçada, porque era aí que eu queria chegar: como é que utilizas elementos externos e os aglutinas num lugar que te é familiar e não te causa uma estranheza que te quer levar à emoção? Essa ideia de que alguma coisa foi tão sublime e perfeita, perto da tal vertigem… E esse tipo de emoções que eu procuro, e não os formalismos. Esses interessam-me depois por outro caminho, mas são todos direcionados para esse prazer próprio.
GF: Mesmo que a tradição não seja algo fechado, sentem-na como algo que pode ser uma prisão ou um espaço de liberdade?
Depende. Podes adoptar a ideia de tradição, mas eu gosto mais de falar da ideia de tradição. Acho que o debate está no que entendemos por tradição, nesse intercâmbio de possibilidades de uma palavra que governa uma quantidade de músicas.
Quando se entende a tradição como algo semelhante à identidade, aí entra a violência. A identidade é o grande tema que atravessa, por isso, as pessoas entendem muitas tradições como algo próprio. Também poderíamos falar da memória e do esquecimento, mas a memória para mim é o que atravessa o debate na sua relação com as formas tradicionais.
Há um livro maravilhoso de um escritor francês, François Jullien, que se chama Não há identidade cultural (2016), e eu sou partidário dessa ideia. Também há outro livro maravilhoso, do filho de Susan Sontag, David Rieff, que é o Elogio do Esquecimento (2017). Nas tradições folclóricas fala-se sempre da memória como a base da construção da identidade, e eu sou cada vez mais partidário do esquecimento. O esquecimento é o que realmente constrói identidades novas, ou melhor dito, novidades. E quando digo novidade, não é de uma perspetiva cool, ou vanguardista, falo de uma perspetiva de possibilidade.
C: E cada identidade que buscas é individual? Tens a ideia de esquecimento, que a mim também me interessa, mas a ideia de esquecimento é a desconstrução do que vem de trás, do que te relaciona com o outro, e aí procuras mudança, mas quem se vai identificar com isso? Como agregas?
NdE: O esquecimento tem que ver com o agora, e não é uma ideia individualista, liberal, somente. Eu sou, em muitas ideias políticas, liberal ou anarquista, mas o esquecimento é uma ideia muito mais do mundo budista e de certas místicas. Tem que ver com a contemporaneidade entendida de uma forma muito radical. A prática artística muitas vezes tem que ver com isso, quando a tentamos unir a diferentes questões sociais ou comunitárias.
Qualquer comunidade que tenha a necessidade de construir mais memória, entendendo o esquecimento como algo atual, acho que é uma comunidade errónea e que terá alguns pesos ideológicos que não a ajudarão, não tanto a avançar porque não acredito na ideia de progresso, mas sim a deslocar-se, a mudar.
Podem existir outros tipos de comunidades que conseguem, mas eu não sou crente nessas formas, acho que se geram mais formas conservadoras. O flamenco é uma arte mais próxima do individualismo do que do comunitarismo, embora pensemos o contrário, porque se fala das comunidades gitanas, das comunidades do sul, mas não tem nada que ver com isso, muitas vezes. De toda a maneira, falamos de comunidade como se fosse algo homogéneo e eu não acredito nisso… Como dizia a filósofa espanhola Marina Garcés, “Comum (sem ismo)”. Sou partidário do comum, que é um contrato social, um diálogo. Eu não sou tão partidário das ideias de comunidades homogéneas, tradicionais, o que não significa que as outras comunidades que eu proponho vão durar muito no tempo.
GF: Pensando que a arte não existe separada da vida, do social, do político, que em países como Espanha e Portugal, com passados de ditadura, problemas gravíssimos persistem, não é também um perigo esse esquecimento, e ignorar o que aconteceu antes?
NdE: Quem escreve o livro Elogio do Esquecimento é o filho de Susan Sontag, não é um ultrafascista; é um escritor que era jornalista de guerra. Quem escreve outro livro maravilhoso sobre o esquecimento do Marc Augé, um filósofo antropólogo francês, a partir das suas experiências com as comunidades africanas e com uma perspectiva decolonial. É uma pena que a ideia de esquecimento se politize, como é uma pena que a memória se politize. Claro que há perigos, que a ultradireita se aproprie desta ideia de que esquecer é ok para as ditaduras, claro que é um dos perigos, mas por isso temos que argumentar. Por isso não podemos apenas ficar com o slogan, não somos jornalistas de fake news, nem de click bait; somos artistas que, na radicalidade dos termos, procuramos repensar e abordar uma prática a partir das inspirações que nos atravessam.
C: Para mim, é quase imperativo olhar para esta história. O fado com o verso “não vás à fonte sozinho” é uma pequena ironia, um truque para fazer uma graça, mas há que ser reflexivo em relação a esta história e isso faz parte do esquecimento, na minha opinião. Não é dizer que isso já não existe, mas sim filtrar de alguma maneira qual é o teu presente e o que é que queres trazer para ele, de uma forma bastante anarca e livre. Eu não sinto prisão em relação àquilo que pensam os tradicionais do fado, ou até a minha mãe que é fadista, sinto liberdade, porque o fado é um instrumento. Tenho a sorte de ter essa história, essa tradição, essas relações, tenho a honra de saber quem é o Alfredo Marceneiro, de ter conhecido a Amália Rodrigues, de ter ouvido a Amália há muitos anos, muitas vezes a Celeste… Isso foi uma aprendizagem enorme. Aquilo que eu faço é olhar para isso com um olho de intérprete, de construtora do presente. E isso é pegar nalgumas coisas e rejeitar outras, mas esse esquecimento, na minha opinião, é consciente do que está para trás. Porque o que é que essa história faz? Construiu-te como um ser também político na sociedade, e carente de um futuro, carente de um presente, carente de uma atitude, portanto, essa história não está apagada, está dentro de ti na forma como tu te reges politicamente para o futuro. Agora, a tua arte não tem de carregar tudo isso, cada vez que quiseres fazer um fado, podes esquecer tudo isso e fazeres livremente.
GF: É precisamente esse pensamento que está por trás dos fados que compuseste para o teu último disco Portuguesa (2023)? Ou seja, usar uma estrutura que existe e que vem dessa tradição, desse passado, mas para fazer com isso algo novo?
C: Eu pego em poemas que me atraem, que não estão no universo do fado mas que têm uma estrutura que eu identifico como uma ponte e faço a melodia tradicional. Fiz isso com um poema do Manuel Alegre, e fazer esse fado foi uma experiência muito importante para mim. Ao contrário, também há essa possibilidade mágica no fado: na tradição do fado, e na sua prática corrente, as melodias são separadas dos poemas, das palavras. Então, tu tens uma melodia, um tom, que pode ter agregados diferentes poemas. Um fadista canta com umas palavras, outro pega nessa mesma melodia mas canta com outras e essa mudança permite, de alguma maneira, ter uma flexibilidade nessa tal tradição, nessas representações e transmissões orais que recebemos de outros fadistas.
Posso trocar as letras sem que isso seja um peso nem um constrangimento, mas como quero ir mais além do que isso, penso sobre as melodias, sobre as estruturas e porque é que elas são consideradas. Quem é que considera que aquilo é um fado ou não? Há uma entidade superior que ninguém sabe quem é mas que são todos, e eu também, de alguma maneira.
Eu acredito nisto: eu nasço num lugar, com um nome, com um pai, com uma mãe e eu ando a tentar lavar-me. Não é libertar-me, eu quero ser o que eu sou e libertar-me de algumas amarras que já vêm comigo. Essa é a estrutura de que o fado me deixa livre porque ele é só um meio, que de facto tem umas regras, mas a subversão dessas tais regras, dentro de uma coisa que tu já conheces, é que me dá prazer. Criar ilusões de passado e presente, lá está, na verdade, é estar sempre nessa tensão do hoje, de brincar com essas ideias com muita liberdade.
GF: Sentem que o que fazem com o fado e o flamenco pode ser visto como uma ameaça à essência do género?
NdE: Claro. Falávamos antes de identidade e há pessoas que levam o que nós fazemos como um ataque à sua identidade, à sua emoção, talvez porque têm conexões familiares, uma história relacionada com isso. Perfeitamente respeitável.
Mas atrevo-me a dizer que as grandes críticas que eu recebo por parte de um público conservador e, sobretudo, pelo grande público do flamenco, são por causa da ameaça económica, porque aqui o que importa é a economia.
No flamenco, a economia está à frente do sentimento. Sempre existiu [o flamenco] onde existiu o dinheiro. O flamenco não vem das casas familiares, vem dos portos, dos bares, das casas de prostituição, das quintas – não do campo, mas das casas dos senhores -, das cidades, onde está o dinheiro.
As grandes críticas que eu recebo prendem-se com essa ameaça, porque entendem que onde eu canto, as pessoas que me seguem, ou as pessoas que podem pagar por mim, que esse dinheiro lhes pertence. Eles entendem que estão a tirar dinheiro à conta da sua cultura. Criticam muito a Rosalía, a mim, porque entendem que roubamos algo que lhes pertence e estamos a fazer muito dinheiro consigo. A Rosalía sim, mas eu não. (risos)
C: Aqui, as pessoas do fado adoram que as cantoras vão para fora, como a Marisa, a Ana Moura, a Carminho, o Camané. Em Portugal, não acontece isso, porque não há tanta indústria, não há tanto dinheiro.
NdE: Mas é uma ficção, porque eu não canto em festivais de flamenco, não canto em nenhum circuito de flamenco. O flamenco não tem indústria, mas parece que tem. Pode dizer-se que só vivem do flamenco entre 15% a 20% dos artistas.
Houve um boom de festivais de flamenco nos anos 70 e 80 e faziam festivais em todos os bairros. Os anos 70 e 80, em Espanha, foram os anos de florescimento depois da ditadura, então, o flamenco tornou-se uma ideia de marca Espanha, ou marca andaluz, do sul. Houve muito dinheiro e, claro, isso já não existe, então também entendo que seja um trauma. Alguém que tem muito dinheiro e, de repente, não tem público, as editoras quase não apoiam porque não se vende, não há um circuito real. Entendo que são muitos ingredientes para que surja sangue.
C: Há uma questão importante para mim, que é a seriedade e as intenções com que se fazem estas mudanças. O que me interessa é um artista que está conectado com a própria mudança e não a fazê-la exatamente pelo mesmo interesse comercial de evolução. O dinheiro está sempre à volta destas intenções, e essa questão de que o flamenco não tem uma intenção prática, de que não existe um porquê de fazer isto, é como toda a arte, não tem um porquê necessário. Mas há quem seja carreirista, e há quem tenha a sua carreira, e esta distinção, às vezes, cria fricção dentro daqueles que querem que o género também seja livre, evolutivo e dinâmico.
Mas não a todo o custo, à custa da ignorância, porque depois também há essa falta de conhecimento do próprio género e esse género ser inteirado como uma coisa que está agora a dar.Eu não respeito a tradição por uma questão de tradição, de que eu tenho que fazer algo que os outros fizeram, mas a minha consciência dói em certos lugares quando eu estou a pensar como é que eu vou fazer as coisas. Talvez seja isso que nos separa. Eu não quero saber se os puristas estão contentes ou tristes comigo, ou quero apenas porque eles são meus amigos e são pessoas com quem eu cresci, mas eu não quero saber das suas intenções, das suas ideologias. A consciência é de eu ser realmente digna a fazer e a usar aquilo que foi a minha história para a frente. Mas se calhar isso nem se põe com um artista comum como tu, com a capacidade e com a profundidade com que tratas os teus próprios assuntos. Eu estou só a falar de uma margem que não tem ideologia e que usa o fado sem ideologia.
GF: É por isso também que dizes exflamenco?
NdE: A palavra é uma construção para criar distância. O que acontece é que eles – e quando digo “eles” eu não sei a quem me refiro exatamente, normalmente é a imprensa -, entendem exflamenco como anti-flamenco, mas não é. Exflamenco, de forma muito simples, é como quando és, ou foste, ex-canalizador, ex-mecânico, ex-professor. É a ideia de que estou a desenvolver uma prática dentro de um contexto mercantil, económico, emocional, e deixo-a. Então sou um ex- dessa prática, mas não significa que o conhecimento e os saberes dessa prática se vão, pelo contrário. Para mim, o mais importante de uma prática é o conhecimento elementar, e é assim que eu penso quando trabalho com o flamenco, o flamenco que existe em mim é o flamenco que pertence para lá do conhecimento racional, é o que já está dentro de mim. E, claro, é um flamenco elementar.
C: E isso é algo que aplicas diretamente a uma guitarra, a uma voz, a um som?
NdE: Eu gosto muito de falar de lógicas. O flamenco, como todas as músicas chamadas de raiz, passou pelo processo de trabalhar com as estruturas que a tradição definiu, mas mudando de instrumentos. A world music é realeza nisto, nos grandes e perversos encontros. Tu fazes um [ritmo] 4/4 em Angola, eu faço um [ritmo] 4/4 na Rússia, somos irmãos? Não somos, as músicas são muito mais complexas que tudo isso, mas a world music francesa fez isso, pelo seu passado colonial, para tentar acalmar a sua má consciência com os povos africanos. Todos conhecemos as grandes produções de contratar um músico do Azerbaijão, da Bolívia, e juntá-los. No flamenco isso fez-se muito, e como é uma música bastarda, adorou saber que havia dinheiro na world music. Então essas formas são um processo, que eu entendo, mas eu não estou nisso, estou no deslocar das lógicas. Não penso tanto numa guitarra como tal, ou numa voz como tal.
É muito difícil analisar o que é flamenco. Por exemplo, com os conservadores do flamenco, se lhes pedem para dizer quem é mais flamenco, entre James Brown, Michael Jackson, uma cantora que eles entendem, ou a Rosalia, dirão James Brown. Acham-no mais flamenco do que eu ou a Rosalía. É um delírio, porque as formas de entender o que é flamenco são muito complexas.
Por isso, a grande mudança tem que ser na pergunta, que não é o que é o flamenco, o que me interessa é como funciona, como se relacionam esses seres, como respiram, como olham, como comem, como bailam, como fazem sexo, como se vestem. No “como funciona”, encontraremos mais respostas, inclusive mais respeitosas com a prática, mais do que com “o que é”. Se não sabemos como somos, como vamos saber o que é o outro?
/ Tradução por Marta Gamito
English Version
A lecture with Carminho & Niño de Elche
Born from fado singer Teresa Siqueira and raised in constant contact with the genre, Carminho sees fado as a language with many possibilities. Throughout her decade and a half career, the fado singer has been shaking up the genre’s structures – and rules -, changing lyrics with sexist connotations and risking melodic formulas that involve performing on stage with instruments such as the mellotron or lap steel guitar. Likewise, Niño de Elche calls himself exflamenco, like someone who once was and no longer is, but who keeps to himself the knowledge and practice of flamenco. As a genre without an origin, the Spanish musician sees in flamenco the potential to deconstruct and build something constantly new. As Carminho with fado, Niño de Elche sees flamenco as a medium: tradition is equally honoured and contradicted, and the past becomes the present in tension.
The two artists featured a lecture at MIL 2023 about the relationship each establishes with the cultural heritage of fado and flamenco in the music they make. The talk, moderated by journalist Gonçalo Frota, lives now in this transcribed and edited version.
Gonçalo Frota (GF): When I was invited to moderate this conversation, I remembered of Obelix. This may be a bit absurd, but the story of Obelix falling into the cauldron of magic potion as a child and being left with that eternal force inside him made me think that you, having started singing and absorbing traditions at a very young age, were left with that potential of tradition inside your bodies and running through your veins.
What I find fascinating about your paths is that tradition is always present, even if you go against it, and you don’t make the leap to pop music, where you would lose all those references. So, I’d like to start by asking if tradition is always present in the idea of a record or a concert, even if it is to contradict it?
Carminho (C): There are different ways of looking at tradition, reacting to it and integrating it. In my case,
fado is my language. Language is not discourse, and discourse comes from me, from my influences and references. If fado is the language, it has to be practised like the Portuguese language. The practice of fado, which is repetitive, with simple gestures that seem similar, is a bit like a craftsman making his vase, and the vase is supposed to be perfect, but it never comes out perfect, although it’s always new and different. This is the dynamic of the language and practice of fado.
I, being very connected and attentive to this practice, find a few gaps to experiment and create a sense of tradition. I walk through the sense of tradition. In terms of production, what I see is a Portuguese guitar that is very high-pitched, that has steel strings, that sounds like a melody because it is a response to the voice. These characteristics can be found in other instruments with other textures, and they can intersect each other, dialogue and have the same meaning, which for me is always the vertigo.
That’s what I’m looking for: the vertigo of emotion.
It’s something that is constructed, but it has that direction that I find in a fado house. But the way it’s done in a fado house is very intuitive, very natural, and sometimes also very accommodated. That’s why I can’t bear to hear women singing sexist lyrics, they’re singing things they don’t believe in, I’m sure, but they don’t think about the fact that fado is an instrument, not an end in itself. So, the discourse has to look for it [that end] in other artistic dimensions, in other worlds.
Niño de Elche (NdE): The word tradition is not a word of consensus. It doesn’t generate friendship. It’s like the words “experimentation”, “improvisation”, which are words that can have many translations. It depends on the tradition you come from and the aesthetic and artistic ideology you have. In my case, starting with flamenco, I could say that flamenco for me is a medium, I sow it from a field of meaning. If we understand tradition as something that is constantly changing, then we can associate flamenco with what is meant by tradition. But if we understand tradition as a canon, flamenco can’t be related to that word, because it has always functioned as a music without an origin, so it doesn’t have a historical debt. Official discourses try to construct this historical debt in order to root it in the history of music, anthropology, politics and society, but this is flamenco’s great impossibility. It is its great tragedy and, at the same time, its great virtue: it has no history to defend. It has no past to recognise as the father of all, the mother of all. We try to build it, but flamenco, like all art, is an art of lies, in the positive sense, so we can construct, deconstruct, and imagine all kinds of flamenco.
That’s why flamenco is built thanks to the looks like those of the French avant-garde, the Russian avant-garde in dance, the audiences of New York at the beginning of the 20th century. It’s built on North Africa, on the whole of Spanish folklore. All this makes it a bastard art. And the best thing is that it has no clear objective. Hence that almost anarchic spirit that always haunts the world of flamenco. That’s why the debates, the discussions around the flamenco tradition are passionate, almost violent.
C: In fado, it’s also a discussion of origin. In the history of fado there is no consensus or definition either, everything is very poorly explained. But I wish there was as much passion and discussion when talking about fado, because then fado would be safer.
GF: But it’s important that this story is clear, because I imagine that the way you relate to fado and flamenco also comes a lot from what you’ve learnt directly from people.
C: I was born from my mum, who was singing when I was born, more or less. Without going that far, but speaking of myself, how do you make your Christmas dinner? In the same way as your mother, your grandmother, because it brings you these memories, these identities, which you can then deconstruct, revolutionise or love and not want to change. You always have a previous object to relate to, and these relationships can be more difficult. For me, fado doesn’t have a role or an objective, nor does it have a centrality. It’s a medium, a language that I use, just as I use Portuguese. I speak Spanish well, but I love Portuguese more than anything. For me, Portuguese is the language I feel comfortable talking to my lover about love. I mean, it can be about other things, but language is very important to discover one’s place. And fado, making this parallel with language, is my place.
I love tradition, and with what I’ve learnt, with the melodies, with Alfredo Marceneiro, I’m in love with these things, but I’m not devoted to them, I’m following a different path, using them as matrices to speak another language. I don’t feel the least bit constrained to make changes, nor do I feel tense, as if I’m making a request to the purists’ department. I think they’re important. The other day I was told, “It’s very funny, you start the record with a traditional fado, and then on the second track you come up with inventions“, and I said, “Didn’t you hear the first one? It’s got mellotron, lap steel…”. But they don’t listen, and that’s the funniest part, because that’s where I was getting at: how do you use external elements and bring them together in a place that’s familiar to you and doesn’t feel strange? That it wants to lead you through emotion, that idea that something was so sublime and perfect, close to vertigo… it’s that kind of emotion that I’m looking for, not formalism. I’m interested in those later on, but they’re all aimed at my own pleasure.
GF: Even if tradition isn’t something closed, do you feel it can be a prison or a space for freedom?
It depends. You can adopt the idea of tradition, but I like to talk more about the idea of tradition. I think the debate lies in what we mean by tradition, in this exchange of possibilities of a word that governs a lot of music.
I like to understand tradition as a betrayal, a translation. We always talk about translation, but not of betrayal, and I’m interested in betrayal. Every betrayal leads to change and I’m interested in change, tradition has to do with change. When you understand tradition as something similar to identity, that’s where violence comes in. Identity is the great theme that runs through it, so people understand many traditions as something of their own.
We could also talk about memory and forgetfulness, but memory for me is what crosses the debate in its relationship with traditional forms.
There’s a wonderful book by a French writer, François Jullien, called There Is No Such Thing As Cultural Identity (2016) and I’m a supporter of this idea. There’s also another wonderful book by Susan Sontag’s son, David Rieff, which is In Praise of Forgetting (2017). Folk traditions always talk about memory as the basis for building identity, and I’m more and more in favour of forgetting. Forgetting is what really builds new identities, or better said, novelties. And when I say novelty, it’s not from a cool or avant-garde perspective, I’m talking about a perspective of possibility.
C: And each identity you seek is individual? You have the idea of forgetting, which also interests me, but the idea of forgetting is the deconstruction of what comes from behind, of what relates you to the other, and then you’re looking for something of change, but who will identify with that? How do you aggregate it?
NdE: Forgetting has to do with the now, and it’s not just an individualistic, liberal idea. In many political ideas, I’m a liberal or an anarchist, but oblivion is much more an idea from the Buddhist world and certain mystics. It has to do with contemporaneity understood in a very radical way. Artistic practice often has to do with this, when we try to link it to different social or community issues.
Any community that has the need to create more memory, understanding forgetfulness as something current, I think is an erroneous community and will have some ideological weights that won’t help it, not so much to move forward because I don’t believe in the idea of progress, but to move, to change.
There may be other types of communities that succeed, but I don’t believe in those forms, I think they generate more conservative forms. Flamenco is an art that is closer to individualism than to communitarianism, although we think the opposite, because we talk about Roma communities, communities from the South, but it often has nothing to do with that. In any case, we talk about community as if it were something homogeneous and I don’t believe that… As the Spanish philosopher Marina Garcés used to say, “Common (without ism)“. I’m in favour of the common, which is a social contract, a dialogue. I’m not so keen on homogeneous, traditional ideas of community, which doesn’t mean that the other communities I propose will last longer.
GF: Thinking that art doesn’t exist separately from life, from the social, from the political, that in countries like Spain and Portugal, with pasts of dictatorship, very serious problems persist, isn’t it also a danger to forget and ignore what happened before?
NdE: The writer of In Praise of Forgetting is Susan Sontag’s son, he’s not an ultra-fascist; he’s a writer who was a war journalist. Marc Augé, a French philosopher-anthropologist, wrote another wonderful book about forgetfulness, based on his experiences with African communities and from a decolonial perspective. It’s a shame that the idea of forgetting has become politicised, just as it’s a shame that memory has become politicised. Of course, there are dangers, that the ultra-right will appropriate this idea that forgetting is OK for dictatorships, of course that’s one of the dangers, but that’s why we have to argue. That’s why we can’t just stick with the slogan, we’re not fake news or click bait journalists; we’re artists who, from the radicality of the terms, try to rethink and approach a practice from the inspirations that run through us.
C: For me it’s almost imperative to look at this story. The fado with the line “não vás à fonte sozinho” is a little irony, a trick to make a joke, but you have to be reflective about this story and that’s part of forgetting, in my opinion. It’s not to say that it doesn’t exist anymore, but to filter in some way what your present is and what you want to bring to it, in a very anarchic and free way. I don’t feel imprisoned in relation to what traditional fado singers think, or even my mum who is a fado singer, I feel freedom because fado is an instrument. I’m lucky enough to have this history, this tradition, these relationships, I’m honoured to know who Alfredo Marceneiro is, to have met Amália Rodrigues, to have heard Amália many years ago, Celeste many times… That was a huge learning experience. What I do is look at it with the eye of an interpreter, of a builder of the present. And that means taking some things and rejecting others, but that forgetting, in my opinion, is conscious of what’s behind us. Because what does that history do? It has built you up as a political being in society, in need of a future, in need of a present, in need of an attitude, so this history isn’t erased, it’s inside you in the way you govern yourself politically for the future. Now, your art doesn’t have to carry all that, every time you want to do a fado you can forget all that and do it freely.
GF: Is that precisely the thinking behind the fados you composed for your latest record “Portuguesa” (2023)? That is, to use a structure that exists and comes from that tradition, from that past, but to make something new out of it?
C: I take poems that appeal to me, that aren’t in the universe of fado but that have a structure that I identify as a bridge, and I make the traditional melody. I did this with a poem by Manuel Alegre, and doing this fado was a very important experience for me. On the other hand, there is also this magical possibility in fado: in the tradition of fado, and in its current practice, the melodies are separated from the poems, from the words. So you have a melody, a tone, which can have different poems attached to it. One fado singer sings with some words, another takes the same melody but sings with others and this change allows us, in a way, to have flexibility in this tradition, in these oral representations and transmissions that we receive from other fado singers.
I can change the lyrics without it being a burden or a constraint, but as I want to go further than that, I think about the melodies, the structures and why they are considered. Who considers it to be fado or not? There’s a higher entity that nobody knows who it is, but it’s everyone, and me too, in some way.
I believe in this: I’m born in a place, with a name, with a father, with a mother, and I have been trying to wash myself clean. It’s not about freeing myself, I want to be who I am and free myself from some of the ties that already come with me. That’s the structure from which fado leaves me free because it’s just a medium, which does have some rules, but it’s the subversion of those rules, within something you already know, that gives me pleasure. To create illusions of past and present, in fact, is to always be in that tension of today, to play with these ideas with a lot of freedom.
GF: Do you feel that what you’re doing with fado and flamenco could be seen as a threat to the essence of the genre?
NdE: Of course. We were talking about identity before and there are people who take what we do as an attack on their identity, on their emotion, perhaps because they have family connections, a history related to it. Perfectly respectable. But I dare say that the great criticism I receive from a conservative public and, above all, from the general flamenco audience, is because of the economic threat, because here it’s the economy that matters. In flamenco, economy is ahead of sentiment, it has always existed where money has existed. Flamenco doesn’t come from the family homes, it comes from the harbours, the bars, the brothels, the farms – not the countryside but the houses of lords – the cities, where the money is.
The bigger critics I receive are related to this threat because they understand that where I sing, the people who follow me, or the people who can pay for me, that this money belongs to them. They understand that they are taking money from their culture. They criticise Rosalia and me a lot because they think we’re stealing something that belongs to them and we’re making a lot of money out of it. Rosalia does, but I don’t (laughs).
C: Here, fado people love it when singers go abroad, like Marisa, Ana Moura, Carminho, Camané. That doesn’t happen in Portugal because there isn’t as much industry, there isn’t as much money.
NdE: But it’s a fiction, because I don’t sing at flamenco festivals, I don’t sing on any flamenco circuit. Flamenco doesn’t have an industry; it seems like it does. You could say that only 15 to 20 per cent of artists make a living from flamenco.
There was a boom in flamenco festivals in the 70s and 80s and festivals were held in every neighbourhood. The 70s and 80s in Spain were the boom years after the dictatorship, so flamenco became an idea of the brand Spain, or the brand Andalus, in the south. There was a lot of money and, of course, that no longer exists, so I also understand that it’s a trauma. Someone who has a lot of money, suddenly has no audience, the publishers hardly support it because it doesn’t sell, there’s no real circuit. I understand that there are a lot of ingredients for blood to flow.
C: There is an important issue for me, which is the seriousness and intentions with which these changes are made. What interests me is an artist who is connected to the change itself and not doing it exactly for the same commercial interest of evolution. Money is always around these intentions, and this question that flamenco has no practical intention, that there is no reason to do this, is like all art, it has no necessary reason. But there are those who are careerists, and there are those who have their careers, and this distinction sometimes creates friction within those who want the genre to also be free, evolving and dynamic.
But not at all costs, at the cost of ignorance, because then there’s also this lack of knowledge of the genre itself and that genre being perceived as something that’s just coming into being. I don’t respect tradition for tradition’s sake, that I have to do something that others have done, but my conscience hurts in certain places when I’m thinking about how I’m going to do things. Maybe that’s what separates us. I don’t care if the purists are happy or sad with me, or I do just because they’re my friends and they’re people I grew up with, but I don’t care about their intentions, their ideologies. The conscience is that I’m really worthy of doing and using what has been my story going forward. But maybe that doesn’t even apply to an ordinary artist like you, with the capacity and depth with which you treat your own subjects. I’m just talking about a fraction that has no ideology and uses fado without ideology.
GF: Is that also why you say exflamenco?
NdE: The word is a construction to create distance. What happens is that they – and when I say “they” I don’t know who I mean exactly, it’s usually the press – understand exflamenco as anti-flamenco, but it’s not. Exflamenco, very simply, is like when you are, or have been, an ex-plumber, ex-mechanic, ex-teacher. It’s the idea that I’m developing a practice within a commercial, economic or emotional context, and I leave it. So I’m an ex of that practice, but that doesn’t mean that the knowledge and know-how of that practice goes away, on the contrary. For me, the most important thing about a practice is the elementary knowledge, and that’s how I think when I work with flamenco, the flamenco that exists in me is the flamenco that belongs beyond rational knowledge, it’s what’s already inside me. And, of course, it’s an elemental flamenco.
C: And is that something you apply directly to a guitar, a voice, a sound?
NdE: I really like to talk about logics. Flamenco, like all so-called roots music, has gone through the process of working with the structures that tradition has defined, but changing instruments. World music is royalty in this, in the great and perverse encounters. You do a 4/4 [rhythm] in Angola, I do a 4/4 [rhythm] in Russia, are we brothers? We’re not, the music is much more complex than all that, but French world music has done this, because of its colonial past, to try to soothe its bad conscience towards the African peoples. We all know the big productions of hiring a musician from Azerbaijan or Bolivia and putting them together. In flamenco this was done a lot, and as it’s a bastard music, they loved knowing that there was money in world music. So these forms are a process, which I understand, but I’m not in it, I’m in the displacement of logics. I don’t think so much about a guitar as such, or a voice as such.
It’s very difficult to analyse what flamenco is. For example, with flamenco conservatives, if you ask them to say who is more flamenco, between James Brown, Michael Jackson, a singer they understand, or Rosalia, they’ll say James Brown. They think he’s more flamenco than me or Rosalia. It’s a delusion, because the ways of understanding what flamenco is are very complex.
That’s why the big change must be in the question, which isn’t what flamenco is, what interests me is how it works, how these beings relate, how they breathe, how they look, how they eat, how they dance, how they have sex, how they dress. In “how it works” we’ll find more answers, even more respectful of the practice than in “what it is”. If we don’t know who we are, how can we know what the other is?
/ Translation by Diogo Freitas Costa